Há 25 anos morria Renato Russo, ícone do rock nacional
O legado de Renato continua viva e atemporal para aqueles que se identificam com suas letras e reflexões.
Renato Manfredini Júnior, mais conhecido como Renato Russo, morreu há exatos 25 anos, completados neste 11 de outubro. Sua obra, no entanto, continua viva e atemporal para aqueles que se identificam com suas letras e reflexões.
Parte das lembranças e memórias deixadas por Renato a sua família e pelo Renato “Manfredo” aos amigos foi contada com exclusividade à Agência Brasil por familiares, amigos, músicos e profissionais que tiveram o privilégio de conhecer, de perto, a pessoa, o artista e a obra de Renato Russo, líder da Legião Urbana.
Júnior
“Foi uma gravidez e um parto tranquilíssimos, apesar da minha inexperiência. Não tinha a menor ideia de nada sobre isso, motivo pelo qual fiz um curso de pré-natal. E me assustava quando diziam que eu sentiria muita dor e que seria necessário fazer muita força para o bebê nascer. No entanto, bastaram três ou quatro contrações para ele pular fora. Em meio às contrações, eu não parava de rir ao lembrar disso. Foi uma sensação muito boa”, conta dona Carminha ao recordar o marcante 27 de março de 1960.
A mãe do poeta que acabara de nascer diz que seu filho sempre foi “um menino fora de série”, que “não criava caso com nada”, a ponto de sequer precisar de babás ou empregadas. “Era um menino exemplar, excepcional no colégio, alegre, comunicativo e brincalhão, principalmente com os primos e com a irmã”, acrescenta. “E assim foi até entrar no bendito rock”, complementa em tom de brincadeira, uma vez que, até o final da vida, Renato continuava sendo, para a mãe, “o rapaz doce que sempre foi”.
O gosto pela música já se manifestava quando ele tinha seis ou sete meses de idade, ainda dentro do berço onde, entre os brinquedos, havia um pequeno rádio de pilha tocando “as músicas brasileiras de ótima qualidade da Rádio Tupi”.
“Um dia, me deparei com ele em pé, pulando e segurando na grade do berço. Eu fiquei preocupada, mas a cara dele era alegre. Descobri que era por causa da música porque, quando eu tirava o rádio da cama, ele chiava. O rádio foi a melhor babá que podia existir para meu filho”, recorda dona Carminha.
Livros e discos foram objetos muito presentes na vida do Júnior. “O pai [Renato Manfredini] também era intelectual. Aos domingos, ficávamos todos em uma saleta, cada um com um livro na mão. Escutávamos músicas clássicas e músicas americanas que estavam na moda, em uma vitrola baixa daquelas com pé palito”.
Um dia, os Manfredini foram surpreendidos ao verem o Júnior, aos 2 anos, tirando um disco da vitrola e, com todo cuidado, colocando-o certinho na capa correspondente.
“Não tinha nada na capa. Só nome de artista. Em seguida, ele pegou outro disco e o colocou na vitrola. Ficamos muito impressionados porque ele era muito pequenino para fazer aquilo. Dali em diante, sempre que queria ouvir música ele ia lá colocava o que queria. E sempre guardando na capa certa”, detalha dona Carminha.
“Nunca contei isso a ninguém da família porque achava chato esse negócio de historinha bonitinha de filho”, acrescentou.
Marcelo Beré, o amigo
Um dos grandes amigos do Renato já dos tempos de Manfredo foi o ator e “palhaço muito sério”, integrante do premiadíssimo Circo Teatro Udi Grudi, Marcelo Beré, que atualmente faz pós-doutorado sobre “excêntricos musicais” na Universidade de Londres.
A exemplo da irmã de Renato, Beré diz que Renato levantava bandeiras que estavam à frente de seu tempo. “Renato sempre falava que era pansexual, e que transava com a natureza, com o rio, com homem e mulher ou com tudo que despertasse nele o tesão pela vida e por estar aqui e agora. Nunca tive problema nenhum com as opções que ele fez da vida. Desde que tivesse algum tipo de prazer ou até mesmo romance, eu acho que fazia bem a ele”.
Uma outra bandeira levantada por Renato foi contra alguns movimentos radicais de jovens que começavam a aparecer na capital do país. “O Renato era extremamente antifascista e sempre foi um lutador de causas antifascistas. Teve muitos problemas com skinheads e neonazistas da época. Era uma posição política que ele sempre teve, e uma clareza que quase anteviu o presente do Brasil. Tudo que está acontecendo hoje faz parte das piores previsões dele”, recorda Beré.
Os dois amigos se conheceram por meio da Léo Coimbra, irmã da Nice com quem Beré era casado à época. As duas irmãs foram, com seus respectivos maridos (Fernando Coimbra e Marcelo Beré), fonte de inspiração para a música Eduardo e Mônica.
Sábio, precoce e culto
A amizade entre Manfredo e Beré nasceu em uma noite conturbada. “Eu estava enamorado com uma mulher que estava em meio a um processo de separação. Estava na casa dela, quando o marido entrou e tive de sair quase como um fantasma. Cheguei no bar Adrenalina e encontrei o Renato. Passamos a noite juntos conversando sobre vida, morte e sobre o risco que eu havia acabado de correr. Falamos também sobre sexualidade, música, poesia. Vimos que tínhamos muito a ver. Foi ali que começou uma amizade que durou a vida inteira”.
Beré descreve o Renato como uma pessoa “extremamente gentil quando queria ser”, além de “sábio, precoce e culto”. “Tinha lido muito, tinha muitas referências e uma imaginação extremamente privilegiada, além de uma forma incrível de entregar e articular ideias. Desde o começo, nossa amizade foi regada a muitos papos cabeça e muitas trocas extremamente interessantes”.
Primeiro guitarrista
Primeiro guitarrista e fundador da Legião Urbana, Kadu Lambach – ou Eduardo Paraná, como Renato gostava de chamar, também tem muitas memórias com o parceiro musical e amigo.
Ele acaba de lançar o livro Música Urbana: O Início de uma Legião, onde, com a ajuda do jornalista André Molina, fala sobre o período de fundação da banda, além de apresentar composições e textos inéditos de Renato Russo, “guardados há mais de 30 anos em um baú”.
Entre as pérolas do livro, está a letra daquela que foi a primeira música da Legião Urbana, chamada Provençal das Quadras. Música que, segundo Paraná, só teve sua parte instrumental concluída após a morte do amigo.
O lançamento do livro será transmitido hoje (11) do palco do Hard Rock Cafe em Curitiba, via YouTube, Facebook e Instagram @kadulambachoficial, a partir das 19h30.
Instrumentista como poucos, “Paraná” foi citado nos quadrinhos do encarte do álbum Que País É Este como o “grande ídolo dos anos 70” que teria deixado a Legião “para estudar violão clássico em São Paulo” – e que, por isso, deveria ter “problema em casa”.
Sobre a saída, Paraná diz que precisava desenvolver sua musicalidade, mas que, naquela época, não encontrava professores em Brasília e que tinha ouvido falar de um “conservatório muito bacana” em Tatuí.
“Saí da banda porque eu queria tocar uma música chamada O Cachorro, um instrumental muito bom que tinha compasso 6/8 que depois virava um 4/4. Realmente não tinha nada a ver com a estética punk. Musicalmente, eu precisava me desenvolver como artista, mas lembro que, logo depois, já em Tatuí, meu pai enviou uma reportagem enorme falando da Legião Urbana. Ali eu senti que a Legião ia explodir para o Brasil inteiro”.
Influências
A Legião, mesmo com seu minimalismo, influenciou a formação do virtuoso Kadu Lambach. “Vi o Renato chegar em um nível tão alto que eu pensei, comigo, que, como instrumentista, eu preciso chegar também em um nível alto, inclusive para justificar minha saída da banda. Achei muito bacana ele ter colocado o sarrafo lá em cima. Essa foi a maior influência na minha vida”, disse à Agência Brasil o músico que já tocou com Belchior, Tunai, Márcio Montarroyos, Arthur Maia, Jane Duboc e Victor Biglione, entre outros. Uma de suas composições, inclusive, foram gravadas pelo ícone do jazz mundial Stanley Clarke.
As primeiras impressões sobre as músicas do Renato, no entanto, passam longe do aspecto técnico que desde cedo atraíam o musicista – o que, segundo ele, não tornou a experiência menos marcante.
“Conheci o Renato na banda Aborto Elétrico, na peça O Último Rango, na 308 sul. Depois, vi uma apresentação no Colégio Marista, onde eu estudava. Fiquei impressionado porque soava como o Sex Pistols da época. Os músicos não tinham técnica, mas tinham uma energia muito forte e equivalente à da banda inglesa. Lembro de ter ficado muito impactado ao ouvir Que País É Este”, recorda Kadu “Paraná” Lambach.
Dias depois, após uma apresentação no projeto Concertos Lago Norte, veio o convite de Renato, para que o ajudasse a formar uma nova banda. “Ele me chamou em um sábado e, na segunda-feira, já estava montando uma agenda de ensaios super profissional. Achei bacana da parte dele. Fizemos praticamente todos os 25 ensaios previstos, fora os ensaios a dois violões. Gravamos todos os ensaios, e ele não perdia uma ideia. Pegava as ideias, ia para casa e já trazia no outro ensaio as músicas prontas. Essa era a velocidade do Renato”.