Charles Baudelaire poesia para beber vinho
Ele foi um dos autores do seu tempo que mais versos compôs sobre o vinho, malgrado diga-se que ele bebia pouco
Por Edna Gomes
Eu começo meu artigo com a primeira e a última estrofes do poema do escritor francês Charles Baudelaire, ‘A Alma do Vinho’, célebre por sua obra máxima, ‘As Flores do Mal’. “Uma noite a alma do vinho nas garrafas cantava: Homem, em sua direção vou, cara fatalidade, nessa prisão de vidro e lacre em que estava, um canto pleno de luz e de fraternidade! Deves andar sempre embriagado”.
Ele foi um dos autores do seu tempo que mais versos compôs sobre o vinho, malgrado diga-se que ele bebia pouco. No entanto, em A Alma do Vinho, Baudelaire dá voz à bebida, que canta sua razão de ser, suas provações, seus prazeres. No poema, é o vinho que sente alegria imensa ao descer pela boca de um homem exausto de tanto trabalhar e é desse encontro, desse amor entre o homem e o vinho, que nasce a poesia. Para Baudelaire o vinho tinha outro alcance de sentidos e significados: a embriaguez mundana, a melancolia da vida moderna, e a indignidade de bêbado, “dormir como um cão”. O vinho para Baudelaire era ao mesmo tempo veneno e antídoto. Tudo consiste nisso: eis a única questão.
Para não sentires o fardo horrível do Tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso.
Mas, com quê? Com vinho, poesia, virtude. Como quiserdes. Mas, embriagai-vos. A embriaguez em Baudelaire é uma tomada de posição diante do mundo: como se lê um poema, bebe-se para aplacar uma sede da alma. Creio que o poeta pensava: se o vinho desaparecesse da produção humana, creio que ele faria um vazio à saúde e ao intelecto do planeta, uma ausência, uma imperfeição muito mais horrível que todos os excessos e desvios com que responsabilizam o vinho.
Ler o livro de Charles Baudelaire me faz refletir sobre como sentimos a vida. O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de se embriagar. Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Charles com sua inquietude diante da vida escreve: “E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, na verde relva de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, despertardes com a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio vos responderão: É a hora de vos embriagardes! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quieres!”
Ao dar voz à alma do vinho já engarrafado, o poema percorre o itinerário do vinho entre produzi-lo e bebê-lo. No olhar a esperança e no sorriso a vontade de viver – este é o reflexo daquilo que sou. Viver é evoluir, é aprender a lidar com o sofrimento e reconhecer a felicidade no que parece insignificante, mas não é, brindar o renascimento com uma bebida de baco, faz você procurar palavras de gratidão, só para agradecer, meu Deus, por mais um dia de vida. Bem, amigos, vou ficando por aqui. Daqui a pouco vou liberar um vinho de sua prisão de vidro e lacre e convido vocês a fazerem o mesmo.