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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
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Abuso Infantil

Três crianças são vítimas de estrupo por dia em Goiás

Nesta semana, a Polícia Civil prendeu um homem suspeito de estuprar e engravidar a enteada de 11 anos

Postado em 30 de julho de 2022 por Daniell Alves

Em São Miguel do Araguaia, a 477 km de Goiânia, um homem foi preso após agredir a companheira e abusar sexualmente da sua neta de 11 anos. A vítima foi obrigada a presenciar o ato sob ameaças do criminoso contra a criança. O crime ocorreu na residência da vítima, uma propriedade rural a cerca de 10 km do perímetro urbano do município. À polícia, o homem confessou as agressões e teria beijado e abraçado a menina por estar bêbado.

De acordo com a Polícia Civil (PC), enquanto praticava o abuso, o suspeito anunciava que cortaria o pescoço das vítimas, caso contassem o fato para alguém. Além disso, a ameaça teria se estendido à irmã da criança abusada, de 7 anos de idade, que estava no quarto ao lado, ouvindo os ruídos das agressões e os gritos de desespero de sua avó e de sua irmã mais velha. 

A sucessão de violações expostas pela imprensa revelam um quadro constante de abusos sexuais contra meninas e meninos no estado de Goiás. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), obtidos através da Lei de Acesso à Informação pelo O Hoje, mostram que o ano passado registrou 1.118 casos de estupros contra vítimas que tinham até 11 anos. Uma média superior a três casos por dia, aproximadamente.

2022

Em 2022, essa realidade piorou. Até o mês de junho do ano passado, foram 482 vítimas, com o pico no mês de abril, com 116 casos registrados. Na comparação com o mesmo período, houve um crescimento de 18,6% nos casos. Foram registrados 572 nos seis primeiros meses do ano e, somente no mês de março foram 120 registros.

A titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Caroline Borges Braga, informa que após a pandemia houve um aumento significativo de casos. “Vemos isso com uma certa preocupação e o aumento exige maior aparelhamento da delegacia, principalmente porque as crianças ficam a maior parte do tempo dentro de casa”, aponta. 

Os casos que têm chamado mais atenção na DPCA são aqueles que envolvem bebês e crianças muito novas. “Ocorre em famílias com situação de mais vulnerabilidade, onde há negligência por parte dos pais. As crianças que sofrem algum tipo de abuso sofrem alteração de comportamento, ficam mais reclusas, silenciosas, mais nervosas ou agressivas”. Ela orienta que, em casos como estes, os pais sempre tenham um diálogo aberto com os filhos para saber o que está acontecendo. 

Refúgio 

O conselheiro tutelar da região Norte da Capital, Valdivino Silveira, afirma que os números referentes ao abuso de crianças ainda são subnotificados. Segundo ele, o cenário de pandemia da Covid-19 contribuiu para estes dados e grande parte das ocorrências atendidas os abusadores são parentes das crianças e adolescentes. “Assim, a escola se torna um refúgio para as vítimas”, aponta.

A escola costuma ser um local de denúncia das violências sofridas em casa. Durante o isolamento social em decorrência da Covid-19, houve queda de 70% no número de denúncias de abuso sexual e violência a jovens no estado.

Autores estão dentro de casa

Dados do do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Além disso, 24,1% dos agressores são os próprios pais ou padrastos e 32,2% amigos ou conhecidos da vítima.

Também é o que aponta a delegada Caroline. Os principais autores desses tipos de crimes estão, na maioria das vezes, dentro de casa. “São padrastos, avôs, vodrastos e há também casos dos próprios pais”. Além disso, parte dos casos não são denunciados. “Por isso fazemos campanhas, palestras dentro de escolas, que incentivam e orientam as formas de fazer a denúncia”. 

Nesta semana, a Polícia Civil de Goiás (PCGO) prendeu um homem suspeito de estuprar e engravidar a enteada de 11 anos, em um distrito de Cristalina. De acordo com a PC, o crime teria ocorrido no final do último ano, porém a denúncia só foi realizada em março deste ano no Conselho Tutelar. 

A denúncia aponta que uma pessoa teria ameaçado a menina e a levado para uma área mais isolada do distrito, onde a teria forçado a manter relações sexuais. Com isso, a criança engravidou. Na época, a suspeita era de que o autor fosse um menor de idade, que estudava na mesma escola da vítima. Mas, após investigações, surgiram indícios de que o possível autor fosse o padrasto da vítima.

O que diz a Lei

Conforme incluído pela Lei nº 12.015, no Art. 217-A, é crime ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos. A pena é reclusão de 8 a 15 anos. “Incorre na mesma pena quem pratica as ações com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”, descreve.

Campanhas educativas 

Para especialistas, a forma de reduzir os casos é com informações e campanhas educativas. A presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), da Ordem dos Advogados de Goiás (OAB) Roberta Muniz, afirma que o órgão também faz parte da rede de proteção da infância e juventude. 

Segundo ela, o conhecimento é transformador, sobretudo no combate à violência sexual infantil. “A OAB, através da CDCA, iniciará um projeto que é o “OAB Nas Escolas”. Muito me alegra perceber que outras entidades também têm a educação como foco. É através da informação, da educação, que a gente consegue colocar em prática esses enfrentamentos para resguardar os direitos das crianças e dos adolescentes, que tanto precisam de nós, da nossa proteção integral”, afirma. 

Somente 7,5% dos casos de abuso são denunciados 

Conforme a Organização Maio Laranja, todos os anos 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no nosso país. “Há dados que sugerem que somente 7,5% dos dados cheguem a ser denunciados às autoridades, ou seja, estes números na verdade são muito maiores. A luta é de todos nós. São as nossas crianças. É o nosso futuro”, pontua. 

A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do (MMFDH) registrou 18,6 mil registros de violência sexual entre janeiro e dezembro de 2021. Em 2022, já foram 4,4 mil denúncias. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra uma realidade de vulnerabilidade. Isto porque uma em cada sete das crianças sofreu violência sexual alguma vez, as meninas em maior número.

Mais expostas

O aumento no número de crimes relacionados a abusos sexuais e pornografia pode ser justificado pela falta de acesso a informações e uso da internet de maneira desregrada, avalia a psicanalista Mayara Orlandi. “Além disso, o fato do uso de crianças e adolescentes terem aumentado drasticamente por causa da pandemia, inclusive a própria pandemia pode ter influenciado nesse aumento em relação à pornografia infantil”, alerta. 

Segundo ela, as crianças ficam muito expostas através de jogos on-line. “Jamais saberemos, de fato, quem está do outro lado como jogador, o que ela pode oferecer e pedir em troca”, ressalta. A especialista explica que as pessoas que praticam esses crimes sofrem de um Transtorno Psiquiátrico, classificado entre os chamados Transtornos de preferência sexual ou parafilias, caracterizado por fantasias, atividades, comportamentos ou práticas sexuais intensas e recorrentes envolvendo crianças ou adolescentes menores de 14 anos de idade, mais conhecida por Pedofilia.

“Eu nunca atendi pessoas com esse Transtornos, mas já estive com pacientes menores de idade que sofreram abuso sexual e um deles foi através da internet. Infelizmente isso é muito mais comum do que a gente pode imaginar, nem tudo esta diante dos nossos olhos como pais e vale lembrar que é nossa obrigação cuidar e proteger”, pontua. 

Mayara revela, ainda, que não existe cura. “É uma doença em que mesmo a pessoa tratando ela pode ter um desequilíbrio emocional que vai potencializar a prática novamente. Como no Brasil ainda não é permitido a Castração Química que eu defendo e acho que seria uma forma de amenizar o aumento de vítimas, o melhor é que as políticas públicas ofereçam tratamentos adequados para essas pessoas que sofrem desse transtorno e isso inclui suas vítimas”, argumenta. 

Traumas

As crianças e adolescentes que são vítimas podem ter sequelas para o resto da vida. “Muitos são os problemas, traumas, a insegurança de se relacionar na fase adulta, as crianças e adolescentes podem, inclusive, criar bloqueios emocionais que as impedirão de viver muitas fases importantes que fazem parte do seu desenvolvimento social e emocional. Por isso eu enfatizo, nossos filhos são nossas responsabilidades. O abuso sexual pode começar onde a gente nem imagina. Não conseguimos fiscalizar e saber tudo que nossos filhos têm acesso na internet e ali é onde se pode abrir a porta para o crime de Pedofilia”, finaliza.

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