Precisamos de uma Revolução do Desenvolvimento
Everaldo Leite é economista
O Brasil é muito grande, sabem os economistas, mas, além disso, o País é formado efetivamente por muitos “Brasis” e por uma diversidade cultural interessante de brasileiros. Em vários lugares assistimos uma nação rica e uma economia vibrante. Em outros diferentes, infelizmente, encontramos muita pobreza e desesperança.
Sendo ainda subdesenvolvido, de fato, classes de renda muito baixa convivem nas mesmas cidades onde moram classes abastadas e milionárias. Ora estão em bairros separados, ora em bairros vizinhos. Tornando, sim, a desigualdade social a característica brasileira mais evidente, de norte a sul, de leste a oeste.
“De Porto Alegre ao Acre, a pobreza só muda o sotaque”, diz a música de Pedro Luís. Uma afirmação, aliás, que deveria se tornar o alvo essencial dos elaboradores de políticas dentro dos governos federal e estaduais. Buscar eliminar a situação de pobreza, que atualmente reduz o potencial de crescimento do País, é estabelecer uma meta de longo prazo que dinamizaria várias dimensões de nosso processo social.
Primeiramente, o crescimento exige um grau expressivo de consumo interno, que funciona como incentivo para investimentos, que geram empregos, elevação da renda e formação de poupança. Retirar brasileiros da pobreza significa incluí-los no fluxo real e financeiro da economia, suscitando oportunidades e inovações em todos os âmbitos sociais, nos serviços, na indústria e agropecuária. Daí, evidentemente, se provoca o desenvolvimento.
Os economistas brasileiros, logo, não deveriam se ancorar somente numa visão contábil do Estado (política fiscal) e na certeza de uma rigidez da política monetária. O teto de gastos do governo e os ganhos sem riscos com títulos da dívida pública seriam nossos únicos objetivos de vida comunitária? Devemos mesmo continuar a acreditar que o País irá se desenvolver a partir dos interesses particulares dos “agro pops” e dos “Faria Limers”?
Agronegócios e negócios financeiros são atividades importantíssimas em um país extenso, que possui condições geográficas para a produção de grãos, carnes etc., e que necessita de uma base eficaz de financiamento de sua economia real. Todavia, não podem ser esses os últimos desígnios da nação, porque não oferecem condições sustentáveis de crescimento e de competitividade.
Commodities agrícolas são bens cujos preços são determinados fora do País, sendo produtos de fácil imitação (ubíquos) e que podem ser produzidos em grande escala em outros lugares. A China, por exemplo, tem realizado investimentos nesse sentido. O projeto “país fazendão” já foi testado antes, na época do ciclo do café, e deu com os burros n’água. É provável que isso aconteça novamente. Ademais, sua potencialidade em gerar empregos e renda é muito limitada, especialmente para os trabalhadores que moram em regiões de baixo dinamismo.
O mercado financeiro, por sua vez, tem sido utilizado mais como um “cassino” internacionalizado do que como fonte de recursos para investimentos. É imprescindível que o BNDES se torne novamente o motor forte dos financiamentos pró-investimentos, como o foi no passado, e que os bancos públicos comerciais convirjam os juros cobrados para patamares civilizados, financiando pessoas físicas e pessoas jurídicas no longo prazo. Somente políticas expansionistas poderão reverter o quadro atual de contração monetária e de juros extremos, que tornaram a economia estagnada.
Precisamos indubitavelmente de uma revolução do desenvolvimento, reivindicando o papel planejador do Estado. É fundamental incentivar a produção de alimentos para o consumo interno e, também, para gerar novos estoques reguladores, de modo que os preços se estabilizem conforme o poder de compra da demanda. A renda média das famílias precisa crescer através da geração de empregos e da renda básica de cidadania. Devemos diminuir a precarização do trabalho, sofisticar e aumentar a qualidade técnica dos nossos profissionais.
Somente o Estado possui legitimidade para transformar a economia, reindustrializar o País e fazer essa grande transformação, instituindo e sustentando um Estado de bem-estar social (e ambiental). A redução das desigualdades não virá como efeito de um modelo extremamente voltado aos interesses individuais. O interesse pela redução das desigualdades e o desejo pelo desenvolvimento advêm de uma coletividade diversa, que abrange toda a nação e, de forma específica, suas diferentes regiões e distintas questões sociais.
A austeridade fiscal, com ou sem teto, obviamente, não mudará as condições da pobreza, nem em Porto Alegre, nem no Acre.
Everaldo Leite é economista