Projeto de Lei permite uso do nome afetivo durante guarda provisória
Ação assegura o direito à identidade, fortalecendo os vínculos afetivos com a família substituta
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No Brasil, milhares de crianças passam pelo delicado processo de adoção todos os anos, um caminho repleto de desafios emocionais e burocráticos. Um dos aspectos mais sensíveis dessa jornada é a questão do nome, pois, para muitas crianças e adolescentes, a identidade está diretamente ligada à aceitação e ao pertencimento na nova família. No entanto, a falta de uma legislação específica tem gerado uma série de dificuldades para essas famílias, que se veem constantemente confrontadas com barreiras em escolas, hospitais e planos de saúde.
A mãe solo Natássia Duarte Garcia Leite de Oliveira, que adotou Maria Amora Garcia e Sofia Mel Garcia, pelo Sistema Nacional de Adoção (SNA), relata os desafios enfrentados devido à não aceitação do nome afetivo das crianças antes da conclusão oficial da adoção. “Minhas filhas chegaram mais velhas e já tinham uma identificação com o nome, mas decidimos juntos trocar o segundo nome para algo que fizesse sentido dentro da nova história delas. Elas ganharam o sobrenome da família, e tudo foi feito de forma conversada”, explica.
Contudo, o reconhecimento social do nome afetivo ainda encontra resistência. “No Brasil, infelizmente, aqui em Goiás, a gente ainda não tem uma lei específica para isso, e as famílias têm enfrentado muitas dificuldades com planos de saúde e algumas escolas”, lamenta Natássia.
O problema acontece porque, mesmo quando a criança já está sob guarda, seu nome legal permanece o mesmo até a finalização do processo judicial de adoção. Isso gera constrangimentos em situações cotidianas, como na chamada escolar ou em consultas médicas, quando o nome antigo é usado, causando estranheza à própria criança.
“Outro dia, minha filha pegou um documento antigo e não reconheceu que aquele nome era dela”, conta Duarte, destacando como a identidade se consolida com o nome escolhido. “O nome é mais do que só uma escrita, ele traz identidade e pertencimento. Minhas filhas participaram ativamente desse processo, escolheram parte de seus novos nomes, assim como seus irmãos e avós também contribuíram na decisão”, continua.
PL 244/2024: Direito ao nome afetivo para crianças e adolescentes em adoção
Diante desse cenário, surge o Projeto de Lei 5242/2024, que busca garantir o direito ao uso do nome afetivo durante o período de guarda, antes da adoção definitiva. O PL é de autoria da deputada estadual Vivian Naves (PP) e apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO).
Segundo Roberta Muniz Elias, advogada especialista em adoção e presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-GO, a motivação para o PL veio das constantes queixas de famílias adotantes no Grupo de Apoio à Adoção de Goiás (Conviver), relatando constrangimentos e dificuldades enfrentadas pelas crianças e adolescentes ao não terem seu nome afetivo reconhecido oficialmente.
“O principal objetivo é assegurar o direito à identidade e à dignidade dessas crianças e adolescentes, fortalecendo os vínculos afetivos com a família substituta e garantindo o sentimento de pertencimento ao novo núcleo familiar”, pontua Elias.
A aprovação do PL pode representar um grande avanço no combate ao preconceito e aos estigmas que ainda cercam a adoção no Brasil. “A lei garantirá que a cultura adotiva seja vista com mais naturalidade pela sociedade e que a adoção seja compreendida como uma via genuína do exercício da parentalidade”, afirma Elias em entrevista ao jornal O Hoje.
Enquanto a legislação não é aprovada, Natássia e tantas outras famílias continuam enfrentando desafios diários para garantir que seus filhos sejam reconhecidos pelo nome com o qual se identificam. “Seria uma coisa muito fácil se os planos de saúde tivessem um campo para nome afetivo, ou se as escolas aceitassem chamá-los pelo nome que eles escolhem. Mas, infelizmente, na nossa sociedade, se não houver uma lei, muitos processos de empatia e compreensão acabam sendo ignorados”, finaliza.
O Projeto de Lei já foi aprovado por unanimidade nas primeiras instâncias e segue para novas deliberações. Se aprovado em definitivo, poderá representar uma mudança significativa para milhares de crianças e adolescentes em processo de adoção no Brasil, garantindo a elas o direito básico de serem chamadas pelo nome que reflete sua nova história de vida.