Farmacêuticos poderão prescrever medicamentos com receita a partir de abril
Nova resolução do CFF amplia atuação da categoria, mas gera embate com entidades médicas

A partir do mês de Abril, farmacêuticos poderão prescrever medicamentos que exigem receita médica, segundo uma nova resolução publicada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF). A medida, que tem como objetivo organizar a prescrição farmacêutica e garantir maior segurança aos pacientes, reacendeu o debate sobre a atuação desses profissionais na área da saúde.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) e outras entidades médicas criticaram a decisão, alegando que ela é ilegal e coloca em risco a saúde da população. Já o CFF defende que a prescrição terapêutica não é atividade exclusiva dos médicos e que a norma respeita protocolos clínicos baseados em evidências científicas.
O que muda com a nova norma?
Atualmente, farmacêuticos podem prescrever apenas Medicamentos Isentos de Prescrição (MIP), geralmente indicados para tratar condições de saúde autolimitadas, como resfriados, cólicas e alergias leves. Também é permitido que prescrevam alguns medicamentos de uso específico dentro de programas de saúde, como as profilaxias pré e pós-exposição ao HIV (PrEP e PEP).
Com a nova resolução, os farmacêuticos poderão receitar medicamentos de venda sob prescrição, desde que tenham o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica. O CFF afirma que essa exigência garante que apenas farmacêuticos devidamente qualificados possam atuar nessa área.
A entidade destaca ainda que a medida segue o que já foi estabelecido pela Anvisa em 2022, quando a agência alterou as regras de rotulagem dos medicamentos, substituindo a expressão “Venda sob prescrição médica” por “Venda sob prescrição”, o que, segundo o conselho, reconhece que outros profissionais da saúde, como os farmaêuticos, também podem prescrever.

Entidades médicas questionam legalidade da medida
A decisão do CFF gerou forte reação do Conselho Federal de Medicina. Em entrevista ao G1, Francisco Eduardo Cardoso, conselheiro do CFM, afirmou que a resolução é “absolutamente ilegal” e que o conselho de farmácia não tem autoridade para legislar sobre prescrição de medicamentos.
“O farmacêutico não tem competência legal e técnica para isso. É um ato de prevaricação. Eles já tentaram isso no passado e a Justiça negou. E isso será levado novamente à Justiça. O argumento de que eles entendem de remédios é insuficiente. São competências complementares”, declarou Cardoso.
A Associação Paulista de Medicina (APM) também se manifestou contra a norma, alegando que a prescrição médica exige um diagnóstico detalhado e um tratamento específico, algo que, segundo a entidade, não pode ser feito por farmacêuticos.
Já o CFF rebate as críticas, afirmando que sua decisão tem respaldo legal. Em nota, o conselho cita a Lei Federal nº 13.021/2014, que estabelece que o farmacêutico deve acompanhar o tratamento dos pacientes e garantir o uso adequado dos medicamentos. A entidade afirma que sua resolução apenas regulamenta esse papel e garante que a prescrição siga protocolos técnicos e científicos.
Possível batalha judicial
O impasse pode parar na Justiça. O advogado Henderson Furst, especialista em Bioética e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, também explicou ao G1 que o conceito de “perfil farmacoterapêutico” usado pelo CFF para justificar a prescrição farmacêutica é questionável do ponto de vista jurídico.
“O perfil farmacoterapêutico diz respeito a entender a reação entre medicamentos que aquele paciente toma. Por exemplo, a ginecologista passa uma medicação e o cardiologista outra. Esses médicos não se falam. Quando você vai comprar, o farmacêutico pode avaliar se há interação entre as medicações, se você deve voltar ao médico para rever. Mas isso não significa que ele pode substituir a prescrição do médico”, afirmou Furst.
No ano passado, uma resolução semelhante do CFF foi suspensa pela Justiça Federal no Distrito Federal. Na época, o CFM acionou a Justiça para barrar a medida, e o caso ainda não foi totalmente resolvido. Agora, com a nova norma, o embate entre as duas entidades deve continuar.
O CFM já anunciou que tomará todas as medidas jurídicas, políticas e administrativas para impedir a implementação da resolução do CFF. Segundo o conselho, a norma representa um “atentado à segurança da população” e poderá gerar riscos à saúde dos pacientes.
A resolução do CFF entra em vigor em 30 dias a partir de sua publicação, ou seja, a partir de 17 de abril. Resta saber se até lá a medida resistirá às contestações judiciais que já estão a caminho.