O que significa trabalhar hoje?
Com 38 milhões na informalidade, o 1º de Maio expõe as novas formas de precarização e reinvenção do trabalho no Brasil
No Brasil, o trabalho já foi questão de sobrevivência, depois virou conquista, depois virou identidade. Agora, talvez, seja só cansaço. O país comemora o 1º de Maio como Dia do Trabalhador desde 1924. Um século depois, o cenário mudou, mas a dúvida permanece: o que, afinal, significa trabalhar?
Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, o Brasil tem hoje cerca de 100,7 milhões de pessoas ocupadas. Dessas, quase 39% estão na informalidade. Isso significa que mais de 38 milhões de pessoas trabalham sem carteira assinada, sem férias, sem direitos garantidos. Boa parte sobrevive no chamado “mercado cinza”, onde a regra é a urgência, e não o contrato.
Além dos informais, há mais de 25 milhões de trabalhadores por conta própria. Entre eles, cerca de 15 milhões estão registrados como microempreendedores individuais (MEIs). A categoria, criada para simplificar a vida de pequenos prestadores de serviço, tornou-se abrigo para uma massa de trabalhadores que não encontra outra forma de se manter. A média de renda declarada por esses trabalhadores gira em torno de R$ 1.700, abaixo do custo médio de vida em capitais como São Paulo, onde a cesta básica já ultrapassa os R$ 800.
As plataformas digitais adicionaram uma nova camada à paisagem laboral brasileira. Segundo a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, mais de 1,5 milhão de pessoas trabalham como motoristas ou entregadores de aplicativo. São trabalhadores que operam conectados, rastreados, ranqueados. Têm liberdade geográfica, mas não autonomia real. Muitos rodam por mais de 12 horas por dia para alcançar um rendimento mínimo. E, quando adoecem, não têm amparo.
No outro extremo do espectro, estão os assalariados formais. São mais de 36 milhões no setor privado com carteira assinada, além de quase 12 milhões no setor público. Esses trabalhadores mantêm certa estabilidade, mas enfrentam uma nova dinâmica: jornadas híbridas, metas escaláveis, vigilância algorítmica. O expediente não termina com o ponto eletrônico. O e-mail fora de hora, a chamada de vídeo inesperada, o grupo de mensagens ativo às 22h diluem o limite entre casa e trabalho.
A pandemia acelerou esse processo. Em 2019, apenas 3,8% dos brasileiros trabalhavam remotamente. Em 2021, o número saltou para mais de 10%. Desde então, o trabalho remoto não parou de crescer nas áreas administrativas. O home office, apresentado como vantagem, muitas vezes transfere os custos da empresa para o trabalhador: energia, equipamento, internet, ambiente adequado. E exige conexão constante.
No plano simbólico, trabalhar deixou de ser apenas uma atividade produtiva. Tornou-se elemento de status, de identidade, de valor pessoal. Ao mesmo tempo, perdeu parte de seu poder como vetor de mobilidade social. Os jovens já não enxergam o emprego como garantia de ascensão, mas como meio de sobrevivência temporária. Quarenta por cento dos trabalhadores entre 18 e 24 anos ocupam postos informais, intermitentes ou temporários, segundo dados do CIEE. Muitos acumulam jornadas. Outros não conseguem nenhuma.
E então chega o 1º de Maio. A data ainda é marcada por manifestações, mas os atos públicos minguaram. As centrais sindicais tentam manter a tradição. Em 2023, os eventos do Dia do Trabalhador em São Paulo reuniram cerca de 150 mil pessoas, bem abaixo dos 250 mil registrados em 2015, segundo estimativas da CUT. As mobilizações perderam tração. Não por falta de pauta, mas talvez por excesso de fraturas.
O trabalhador brasileiro de 2025 está fragmentado. Há os que operam nas margens e os que orbitam nos centros digitais. Os que vendem almoço para comprar a janta e os que medem sua produtividade por aplicativos. Os que enfrentam duas horas de transporte e os que enfrentam três reuniões seguidas sem levantar da cadeira. Trabalhar, hoje, não é mais uma experiência comum. É um mosaico desigual.
O 1º de Maio permanece como um lembrete, incômodo e necessário, de que o trabalho, embora naturalizado, não é neutro. Suas formas, condições e promessas revelam a estrutura de um país. Celebrar o trabalhador não basta. É preciso perguntar: quem está trabalhando? Em que condições? E, sobretudo, a que custo?