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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Bullying

O retrato da violência cotidiana nas salas de aula brasileiras

Mais de 80% dos professores de escolas públicas relataram presenciar casos graves de bullying; MEC reage com programa nacional para enfrentamento da violência nas salas de aula

Luana Avelarpor Luana Avelar em 7 de maio de 2025
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A sala de aula se consolidou, mais uma vez, como um microcosmo de conflitos não resolvidos da sociedade brasileira. Na lousa, fórmulas e regras gramaticais. No intervalo, xingamentos, ameaças, exclusões sistemáticas. O retrato captado em 2023 pelo Ministério da Educação, em parceria com o Inep, ao ouvir mais de 395 mil professores de escolas públicas do país, revela uma rotina pedagógica atravessada por práticas de violência, bullying e discriminação.

O dado que mais salta aos olhos talvez seja este: oito em cada dez docentes afirmaram ter presenciado casos graves de bullying em sala de aula. A pesquisa, aplicada durante o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), traz uma pergunta simples, mas poderosa, o bullying está presente na sua escola? Apenas 23% disseram que não. O restante admitiu sua ocorrência: 59% relataram episódios esporádicos, 16% disseram que os casos são frequentes e 2% afirmaram que o bullying é uma constante no ambiente escolar.

O levantamento, que integra um questionário direcionado a professores de Português e Matemática de mais de 70 mil escolas, também mostra um cenário preocupante no que diz respeito à discriminação. Metade dos entrevistados afirmou já ter presenciado atitudes discriminatórias contra estudantes ou colegas. E novamente os números desdobram-se em gradações de frequência: 44% relataram poucos casos ao longo do ano, 7% disseram que o problema é recorrente e 1% testemunha episódios de discriminação o tempo todo.

Não se trata de estatísticas isoladas. No Distrito Federal, por exemplo, apenas 32% dos professores disseram não ter presenciado qualquer forma de bullying em 2023. É a unidade da federação com o pior resultado nesse quesito. Já o segundo segmento do ensino fundamental, correspondente aos anos finais dessa etapa, lidera entre as fases com maior incidência dos relatos de violência e exclusão.

Diante desse panorama, o Ministério da Educação vem tentando montar uma resposta institucional. Criou-se o Sistema Nacional de Acompanhamento de Combate à Violência nas Escolas (Snave), que pretende mapear, apoiar e qualificar a atuação das redes de ensino frente à multiplicidade de expressões de violência que se manifestam no cotidiano escolar. Mas o sistema, por si só, não caminha.

O Snave funciona como base para o Programa Escola que Protege (PRoEP), uma estratégia nacional que articula ações pedagógicas e psicossociais. Entre suas diretrizes, estão a formação continuada de educadores, a valorização da diversidade no espaço escolar, o incentivo a práticas restaurativas e a reconstrução da comunidade escolar em situações extremas. Além disso, o programa prevê a construção de planos territoriais intersetoriais, capazes de envolver diferentes esferas do poder público na prevenção e resposta à violência.

O discurso da cultura de paz é bonito no papel. Mas sua eficácia ainda dependerá da tradução concreta nos corredores escolares. A prática cotidiana ensina que o bullying não é apenas uma questão entre alunos, mas sintoma de um sistema fragilizado: professores sobrecarregados, infraestrutura precária, ausência de apoio emocional, desigualdades que transbordam dos bairros para os cadernos.

Se, como revelou o levantamento, o silêncio é cada vez mais difícil diante da repetição de episódios de violência, também é certo que nenhuma política pública conseguirá conter sozinha o que se tornou estrutural. A escola, que há muito tenta ser espaço de inclusão e afeto, segue sendo palco de disputas, entre o que se ensina e o que se vive, entre o que se denuncia e o que se tolera. E talvez seja justamente nesse intervalo que se decide o futuro de toda uma geração.

 

 

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