Impacto Felca: adultização precoce nas redes sociais mobiliza debate sobre proteção infantil
Vídeo com mais de 32 milhões de visualizações denúncia adultização e exploração de menores nas redes sociais
Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, youtuber e humorista de 27 anos, transformou o cenário digital brasileiro, após publicar um vídeo que já soma mais de 32 milhões de visualizações. No conteúdo, de quase 50 minutos, o jovem denuncia a “adultização” precoce de crianças e adolescentes, além da exploração de menores por grandes influenciadores digitais, destacando o caso do paraibano Hytalo Santos, cuja conta no Instagram foi retirada do ar dias depois da denúncia.
Durante o vídeo, Felca detalha como certas crianças e adolescentes são expostos a conteúdos e situações incompatíveis com a sua idade, muitas vezes sexualizados ou forçados a assumir comportamentos de adultos para gerar engajamento e lucro.
Ele relata casos concretos, como o de uma adolescente que começou a ser explorada aos 12 anos, sendo posteriormente exposta em vídeos com roupas provocativas, envolvida em relacionamentos públicos e até em procedimentos estéticos divulgados nas redes sociais. Segundo o influenciador, essa exposição precoce é alimentada por algoritmos que recomendam conteúdos com alta visualização, mesmo quando há conotação sexual ou exploração emocional.
O youtuber explica que, durante sua investigação pessoal, monitorou perfis citados e acabou sendo difamado nas redes sociais por pessoas que mal interpretaram sua ação, acusando-o injustamente. Ele revelou que já processou mais de 200 pessoas por difamação e calúnia.
Além disso, Felca estabeleceu uma espécie de “acordo”: quem desejar que os processos sejam retirados deve doar uma quantia para instituições de caridade e fazer um pedido público de desculpas, reforçando seu compromisso não só com a denúncia, mas com a ajuda às vítimas.
Um ponto importante do vídeo é a crítica ao que ele chama de “algoritmo P”,um termo usado para descrever como as plataformas digitais alimentam e ampliam conteúdos que promovem a adultização e a sexualização precoce.
Ele alerta que, sob a aparência inofensiva de vídeos de crianças, há um mercado lucrativo por trás, que explora vulnerabilidades e fragilidades emocionais para aumentar a audiência e gerar receita financeira, criando um ciclo difícil de romper.
Felca também enfatiza que seu objetivo não é apenas expor nomes, mas chamar a atenção para um problema estrutural e sistêmico das redes sociais, onde a ausência de regulamentação adequada cria um ambiente propício para abusos. Seu pedido de forma quase chorando é que a sociedade, autoridades e plataformas digitais a possam agir para proteger a infância, evitando que a internet se torne um espaço permissivo para crimes como abuso, exploração e adultização precoce.
Reações políticas e legislações em debate
A repercussão do vídeo levou a uma resposta rápida do Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), comprometeu-se a pautar projetos para combater a adultização infantil nas redes sociais, qualificando o tema como “urgente” e “que toca o coração da sociedade”.
Paralelamente, a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Gleisi Hoffmann, defendeu a regulação das redes sociais para responsabilizar as plataformas pela circulação desses conteúdos abusivos.
Diversos projetos de lei foram protocolados para criminalizar a adultização digital e restringir a monetização de conteúdos envolvendo menores. Entre eles, destaca-se o PL 3840/2025, do deputado federal Zacharias Calil (União-GO), que propõe pena de 3 a 6 anos de reclusão para quem produzir ou divulgar conteúdos que sexualizam ou adultizam crianças e adolescentes, incluindo agravantes para casos em que haja monetização ou envolvimento de responsáveis legais.
Outros projetos abordam a necessidade de controle parental, transparência nos algoritmos das plataformas, criminalização da exploração digital por familiares e tutores e medidas protetivas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O que diz a lei?
Para entender os limites jurídicos que envolvem a adultização e a sexualização infantil, o advogado Amaury Andrade esclarece as diferenças essenciais entre esses conceitos. “A sexualização tem foco na dimensão sexual indevida, com conotação erótica, e pode configurar crime, como exploração sexual infantil. Já a adultização foca na antecipação de papéis e responsabilidades de adultos, que nem sempre são sexuais, mas que também causam danos ao desenvolvimento da criança ou do adolescente”, explica.
Embora a adultização não seja tipificada explicitamente como crime no Brasil, Amaury destaca que ela pode ser enquadrada no ECA e em outras normas legais. “Adultização pode ser enquadrada como violação de direitos, podendo configurar negligência, abuso psicológico, trabalho infantil ou exploração. Por exemplo, a adultização laboral está prevista nos artigos 60 a 69 do ECA; a sexual, no artigo 244. No Código Penal, artigos como 218 e 136 tratam de corrupção de menores e maus-tratos.”
Sobre a exposição de crianças, o advogado esclarece que “nem toda exposição é ilícita; postar uma foto familiar, por exemplo, não configura crime. Mas a exposição abusiva, degradante, sexualizada ou que coloca em risco a integridade física ou psicológica da criança pode levar à responsabilização criminal.”
Impacto cruel da adultização infantil impulsionada pelo engajamento
A psicóloga Paula Ventura, especialista em infância, ressalta que “um ponto importantíssimo que tem a ver com as redes sociais é o papel dos influenciadores. O engajamento e a monetização aceleram a adultização, muitas vezes de forma cruel e mercadológica.”
Ela explica que as crianças e adolescentes são colocados em situações que visam lucro e engajamento, perdendo o direito fundamental à infância. “Se o pai coloca a filha para dançar com biquíni e isso gera curtidas, a criança entende que isso é bom, pois confia no pai. É um sistema que explora crianças para ganhar dinheiro, sexualizando e colocando-as em papéis adultos, amplificado pelos algoritmos das redes sociais.”
Psicologicamente, a especialista aponta os efeitos devastadores dessa exposição precoce. “Essa antecipação de responsabilidades gera sobrecarga emocional. A criança não tem recursos para lidar com isso, o que pode causar ansiedade, medo, culpa e dificuldades na construção da identidade e dos limites pessoais.”
Ventura reforça que “a adultização não é apenas crescer rápido, mas abrir mão de experiências essenciais para o desenvolvimento emocional. Muitas vezes, crianças são elogiadas por serem ‘maduras para a idade’, mas isso traz um custo alto: ansiedade, dificuldade em lidar com frustrações e marcas profundas na vida adulta.”
A profissional chama atenção para o papel dos adultos no processo: “Muitos, mesmo sem intenção, contribuem para esse ambiente. Isso acontece quando se elogia repetidamente a aparência com termos adultos, permite o acesso irrestrito a conteúdos impróprios ou inclui a criança em conversas e problemas que ela não tem capacidade para elaborar. Esses gestos deslocam a criança do seu lugar, que é a infância.”
Paula observa ainda sinais comuns da adultização, como “preocupação exagerada com a aparência, uso precoce de maquiagem, roupas inadequadas, postura sexualizada e desinteresse por brincadeiras, jogos e pelo lúdico, que são típicos da infância.”
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