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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Cultura

Prefeitura transforma Goiânia Ouro em mais um corte na planilha

Sob argumento de economia e acessibilidade, gestão Sandro Mabel encerra contrato do espaço histórico; artistas e vereadores denunciam retrocesso e desvalorização da memória cultural

Luana Avelarpor Luana Avelar em 6 de outubro de 2025
13 MATERIA CREDITOS FT 2 Carol Arcanjo Divulgacao
Foto: Carol Arcanjo Divulgação

No dia 22 de setembro, a prefeitura de Goiânia decidiu que não valia mais a pena pagar o aluguel para manter vivo um dos símbolos culturais da cidade. O contrato de locação do Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro venceu, e o prefeito Sandro Mabel anunciou que não haveria renovação. O argumento da gestão é direto: falta de acessibilidade e a necessidade de cortar despesas.

Construído na década de 1970 dentro da conhecida Galeria Ouro, na Rua 3, no Centro da capital, o espaço nasceu como cinema, com capacidade para 700 espectadores. Anos depois, foi adaptado para abrigar também um teatro. Em 2006, a prefeitura o transformou em Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, adicionando uma biblioteca e um café cultural. Desde então, o teatro de 291 lugares e o cinema de 217, equipado com tecnologia digital DCP, se firmaram como palco de festivais, mostras e espetáculos que deram abrigo a artistas iniciantes e à produção independente. 

Nada disso, porém, sensibiliza a gestão atual. O secretário de Cultura, Uugton Batista, não vê motivo para lamento. “Saímos de um prédio que não tem acessibilidade e estamos com quatro estruturas totalmente gratuitas para a prefeitura. É uma gestão com eficiência”, disse. Ele citou o Cine Cultura, o Teatro Goiânia, o Centro Cultural Oscar Niemeyer e o Sesc Centro como substitutos. Questionado sobre como a gestão garante que coletivos independentes, artistas periféricos e projetos experimentais, que encontravam no Goiânia Ouro um espaço de acolhimento, terão o mesmo espaço de circulação, respondeu de forma categórica: “Terão 100%. Não muda nada”. 

Para quem vive a cultura, muda tudo. O produtor Adriano Ferreto, que já esteve na gestão do espaço, resume: “A gestão atual não se importa com a cultura. O que mais nos decepciona é que Sandro Mabel fez muitas promessas na eleição e agora faz o contrário, inclusive entregando a pasta para alguém da extrema direita, que é notório que odeia a cultura”. Ferreto recorda que o espaço foi palco de programas fundamentais: “Ali fizemos milhares de sessões de cinema para crianças da rede municipal, abrimos oportunidades para artistas iniciarem suas carreiras, realizamos o Goiânia Canto de Ouro, o Festival de Teatro Popular, o Goiânia em Cena, o Circuito de Todas as Cores e o FestCine. Era um espaço democrático”.

A indignação também está instalada no Legislativo. O vereador Fabrício Rosa, presidente da Comissão de Cultura da Câmara, divulgou nota classificando a medida como “um dos maiores retrocessos culturais da última década”. Ele apontou a contradição: a devolução foi anunciada na mesma semana em que dezenas de artistas participaram de uma audiência pública sobre políticas culturais. “Enquanto se discutiam avanços, a gestão municipal, nos bastidores, promovia um retrocesso histórico”, afirmou. Para Rosa, “fechar suas portas é apagar um capítulo fundamental da identidade de Goiânia”.

O humorista e produtor Luiz Titoin, que acompanha a cena de perto, lembra que o Goiânia Ouro oferecia algo que hoje é raridade: pautas acessíveis. “Ao invés de devolver, o poder público deveria retomar como era antes”, disse. Nos teatros particulares, a realidade é outra: a locação pode custar seis mil reais, inviável para quem está começando. O Ouro, com boa acústica, localização central e capacidade moderada, era perfeito para iniciantes. “É complicado fazer um espetáculo para cinquenta pessoas em um lugar que cabe quatrocentas”.Titoin acrescenta que a situação expõe também o descuido com outros equipamentos: “O Teatro Goiânia está sucateado, e só não segue o mesmo destino do Ouro porque é tombado como patrimônio histórico. Se não fosse, já teria sido fechado também”. Para ele, a decisão reforça a velha mania da cidade: valorizar o que vem de fora e ignorar quem constrói a cena local. 

A vereadora Aava Santiago recebeu a notícia com “choque, perplexidade e revolta”. Frequentadora assídua, lembrou das noites de jazz às sextas-feiras, depois do Chorinho na rua; das terças de blues conduzidas pelo Moka; dos festivais de cinema, de dança e teatro; e até do encontro de danças urbanas que ajudou a organizar no espaço em 2018. “O prédio é barato, mas entrega muito para a cidade. O que me deixa perplexa é que ele seja entendido apenas pela ótica monetária, o que é até contraditório.” Aava comparou: durante prestação de contas, ouviu do secretário de Finanças que um contrato de passagens de R$1 milhão era “irrisório” diante do orçamento do município. “Esse valor pagaria quase quatro anos de aluguel do Goiânia Ouro. A prefeitura gasta mal, gasta em coisas que não mudam a vida das pessoas e corta em áreas sensíveis”. Ela prometeu apresentar requerimento na Câmara e tentar uma emenda para garantir a manutenção do espaço.

O prefeito Sandro Mabel, por sua vez, prefere falar em modernização. Em vídeo postado no Instagram, exaltou convênios com o Sesc e o governo estadual, e garantiu que a cidade caminha para um centro “mais vivo, moderno e acolhedor”. Para ele, devolver o Goiânia Ouro não é retrocesso, mas sinal de responsabilidade.

Entre a planilha e a memória, instala-se a disputa. Para a gestão, trata-se de racionalizar gastos; para artistas e produtores, significa perder um espaço insubstituível. Na leitura deles, a prefeitura olha apenas para números, quando a cultura se sustenta em histórias, memórias e pessoas. Até dezembro, o Goiânia Ouro ainda cumpre sua última programação, mas depois as portas se fecham. O secretário insiste que nada muda — os artistas, ao contrário, repetem que muda tudo.

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