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segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
Insegurança e dados alarmantes

Goiás registra 38 feminicídios até outubro e mais de 17 mil medidas protetivas em 2025

Com mais de 40 mil ocorrências de violência doméstica, Estado enfrenta desafios críticos na proteção das mulheres

Renata Ferrazpor Renata Ferraz em 24 de outubro de 2025
Feminicídios
Foto: Tânia Rego/ABr

Bárbara Valim da Silva, de 28 anos, tornou-se mais uma das vítimas dos feminicídios em Goiás. Morta a tiros pelo ex-companheiro dentro de um condomínio residencial em Goiânia, a jovem tinha uma medida protetiva em vigor contra o agressor, segundo o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO). Bárbara deixa dois filhos, um deles fruto do relacionamento com o suspeito.

O crime ocorreu no último sábado (18). O acusado, Luiz Gustavo Rodrigues Rocha, foi preso em flagrante no domingo (19) e teve a prisão convertida em preventiva pelo juiz Joviano Carneiro Neto. Na decisão, o magistrado destacou que, mesmo com a medida protetiva em vigor, o homem “não hesitou em cometer o feminicídio, demonstrando desprezo pelas normas de proteção à vida”.

Em vídeo divulgado pela polícia, Luiz Gustavo confessou o crime, afirmando que tentou conversar com Bárbara, que se recusou, e que, impulsivamente, atirou. A Polícia Civil investiga as circunstâncias e motivações do assassinato, enquanto familiares e amigos lamentam mais uma perda irreparável — de uma mulher que já havia buscado ajuda e proteção.

Outro caso recente reforça a gravidade da situação: Tânia Lopes dos Santos Junqueira, de 29 anos, foi assassinada em 5 de setembro em Santa Terezinha de Goiás. Dona de uma floricultura e mãe de dois filhos, Tânia foi morta a tiros pelo ex-companheiro, que também tentou atingir o irmão da vítima. Casos como esses evidenciam que, mesmo com leis de proteção, muitas mulheres continuam vulneráveis à violência letal.

Cenário alarmante em números de feminicídios e falhas nas medidas protetivas

Os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que Goiás enfrenta um cenário preocupante. Até 31 de agosto de 2025, o Brasil registrou 1.336.495 ocorrências de violência doméstica, sendo 43.959 em Goiás. O Tribunal de Justiça estadual concedeu 17.722 medidas protetivas, das quais 6.533 foram revogadas e 6.278 prorrogadas. O Estado ocupa o quinto lugar no país em número de medidas em andamento, atrás apenas de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Mesmo assim, até outubro, Goiás contabilizou 38 feminicídios e cerca de 450 novos casos de tentativa ou ameaça de morte de mulheres. Mais de 32 mil pedidos de proteção foram feitos, e apenas metade foi atendida.

O panorama nacional é igualmente alarmante. O Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado, indica que, no primeiro semestre de 2025, 718 mulheres foram vítimas de feminicídio no país. Foram ainda 33.999 casos de estupro contra mulheres — uma média de 187 por dia.

Segundo o Instituto Fogo Cruzado, em 57 municípios brasileiros, pelo menos 29 mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativa com arma de fogo até a primeira quinzena de agosto. Destas, 22 morreram.

“Não basta ter leis, é preciso garantir sua efetividade”, alerta especialista

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Foto: Joédson Alves/ABr

O advogado criminalista e professor de Direito Penal Amaury Andrade analisa que o feminicídio continua sendo uma das expressões mais graves da violência de gênero no Brasil. “Mesmo após quase duas décadas da Lei Maria da Penha e mais de oito anos da Lei do Feminicídio, o país ainda figura entre os que mais matam mulheres no mundo”, afirma.

Segundo ele, o problema não está na ausência de leis, mas na falta de integração e fiscalização. “Temos um dos arcabouços legais mais avançados, mas o número de mortes ainda é alarmante. O que falta é garantir a efetividade das medidas. Muitas mulheres denunciam e voltam para casa sem amparo, expostas ao agressor”, alerta o advogado.

Amaury defende que o sistema judicial precisa agir com urgência. “A morosidade é um dos grandes inimigos da efetividade. Violência doméstica deve ser tratada como emergência, não como processo comum. Precisamos de canais digitais e plantões permanentes para decisões rápidas, monitoramento das medidas e resposta preventiva diante de ameaças.”

O especialista também ressaltou a importância do monitoramento eletrônico como forma de garantir a distância entre a vítima e o agressor. Ele observou que a tornozeleira eletrônica conectada a sistemas de alerta é uma das medidas mais eficazes, desde que exista resposta imediata da polícia, pois o recurso perde sua função se não houver patrulha disponível para agir diante de um alerta.

Outro ponto abordado foi a necessidade de programas de reeducação para agressores, inspirados em modelos internacionais, como os adotados na Espanha e no Canadá, onde centros de reabilitação com acompanhamento psicológico contribuíram para reduzir a reincidência. O advogado enfatizou que o agressor precisa compreender as consequências de seus atos e perceber que o Estado mantém vigilância constante sobre essas condutas.

Desafios e caminhos para uma rede de proteção eficiente

Goiás tem adotado políticas sociais e medidas legais para enfrentar o problema. O Programa Goiás Por Elas, criado pelo governo estadual, oferece apoio financeiro emergencial a mulheres em situação de vulnerabilidade. Em 2023, 158 mulheres receberam os primeiros cartões do programa, vinculado ao Goiás Social. A prioridade para vítimas de violência também foi estendida a outros programas assistenciais.

O Estado também promove capacitação de profissionais com foco na Lei Maria da Penha e criou, em 2024, a Política Estadual de Combate à Violência Doméstica e Familiar (Lei nº 22.584/2024), que prevê centros de reabilitação para agressores, encaminhamento integrado entre instituições e formação de equipes multidisciplinares.

Mesmo assim, especialistas apontam que os avanços ainda são tímidos. “As medidas protetivas são tratadas como atos formais, e não como intervenções de emergência. A mulher recebe o papel, mas muitas vezes volta para casa sem abrigo, sem acompanhamento e sem vigilância. O papel vira escudo simbólico, e não real”, adverte o advogado.

O especialista reforça que o enfrentamento à violência de gênero deve ser visto como questão de segurança pública e direitos humanos. “A violência doméstica não é problema individual. É social. Enquanto o Estado não agir de forma articulada e preventiva — e a sociedade não romper com o machismo estrutural —, continuaremos colecionando estatísticas em vez de salvar vidas.”

As campanhas de conscientização, como o Agosto Lilás, e o fortalecimento de canais como o Ligue 180, Delegacias da Mulher e o Batalhão Maria da Penha, mostram que há mobilização crescente. Em 2024, os atendimentos em Goiás aumentaram 34%, demonstrando maior confiança nas redes de apoio.

Contudo, os casos de Bárbara Valim e Tânia Junqueira continuam a ecoar como alertas de que as medidas ainda não bastam. Eles lembram que, enquanto a proteção das mulheres for tratada como burocracia e não como urgência, a violência seguirá encontrando brechas para se repetir.

Leia mais: Feminicídio em Goiânia: mulher é morta pelo ex-companheiro no Jardim do Cerrado 6

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