Luta de mãe garante transporte exclusivo e devolve dignidade a filho com TEA
Com apoio do MP-GO, Zenólia conquistou o direito ao transporte seguro para o filho. A decisão mudou a rotina da família e reacendeu a esperança de um futuro mais digno
Micael Silva e Vitória Sousa
Quando uma família sonha com a chegada de um filho, imagina risadas, descobertas e momentos felizes. Mas a maternidade também traz desafios e, às vezes, eles vêm em forma de luta diária. Foi assim com Zenólia Gonzaga, de 35 anos, mãe de Breno Lucas Sodré Gonzaga, hoje com 17 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro autista (TEA) severo aos quatro anos de idade.
Desde então, a rotina de Zenólia gira em torno dos cuidados com o filho. “Parar de lutar nunca esteve nos meus planos”, resume. Breno faz terapias três vezes por semana , antes eram cinco, mas a família precisou reduzir por falta de transporte.
“Qualquer mudança na rotina pode gerar crises. Ele não consegue esperar, não tolera ambientes fechados e qualquer alteração, por menor que seja, pode desencadear uma crise”, informa a mãe.
O transporte coletivo, oferecido pelo município de Santa Rita do Novo Destino, no interior de Goiás, nunca foi uma opção segura. Localizado na região do Vale do São Patrício, o município tem 2.689 habitantes, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Já aconteceu dele me agredir dentro do carro ou atingir outras pessoas. É algo que foge do controle”, conta Zenólia. Além disso, ela também é responsável pela medicação, alimentação e higiene do filho.
Diante da realidade enfrentada pela família, o Ministério Público de Goiás (MP-GO), por meio da Promotoria de Justiça de Barro Alto, ingressou com uma ação civil pública contra o município de Santa Rita do Novo Destino, depois de constatar que Breno não vinha recebendo transporte compatível com suas necessidades clínicas.
O promotor de Justiça Pablo Martinez explicou que o caso foi acompanhado de perto e que a medida judicial só foi adotada após meses de tentativas administrativas. “Recebemos relatórios e laudos médicos que demonstravam de forma inequívoca a gravidade do quadro clínico do adolescente. Breno tem autismo severo e transtorno de processamento sensorial, o que significa que ele é extremamente sensível a estímulos externos. Ruídos, toques, cheiros e até a presença de outras pessoas podem desencadear crises de descontrole, colocando em risco não apenas ele, mas quem está ao redor”, detalhou.
Martinez ressaltou que a prescrição médica era clara: transporte exclusivo e acompanhado apenas pelo cuidador. “Mesmo diante dessas recomendações, o município insistia em oferecer o transporte coletivo comum, totalmente incompatível com o estado clínico do jovem. Foram expedidos diversos ofícios e realizadas reuniões, mas as respostas sempre apontavam a manutenção do modelo inadequado. Diante disso, não restou alternativa senão recorrer à Justiça para garantir o mínimo necessário à continuidade do tratamento.”
O promotor destacou ainda que a decisão judicial representa mais do que o cumprimento de uma obrigação: “Trata-se da efetivação de um direito humano básico. A Constituição Federal e as leis que regem a proteção às pessoas com deficiência são muito claras ao determinar que o poder público deve oferecer as adaptações necessárias para que essas pessoas tenham acesso pleno aos serviços essenciais. O que buscamos não é um privilégio, e sim a aplicação concreta daquilo que já está previsto em lei.”
Para ele, o caso de Breno simboliza a luta silenciosa de muitas famílias em Goiás. “A falta de políticas públicas estruturadas voltadas às pessoas com Transtorno do Espectro Autista ainda é um problema recorrente. Embora haja avanços e maior conscientização social, ainda é comum encontrarmos mães que enfrentam jornadas exaustivas, tentando sozinhas garantir o básico: transporte, terapia e inclusão. O papel do Ministério Público é justamente agir quando o Estado falha, para que a dignidade dessas pessoas não dependa de favores, mas de direitos assegurados.”
“Foi um alívio imenso”, diz a mãe
A decisão judicial que determinou o transporte adequado transformou a rotina da família. “Foi um alívio imenso”, diz Zenólia, com a voz embargada. “Com o transporte certo, conseguimos manter as terapias sem tanto estresse, sem crises durante o trajeto. Para mim, foi também um descanso emocional saber que meu filho teria mais segurança.”
Ela se emociona ao lembrar do apoio recebido do MP-GO. “Sempre fui muito bem atendida. Eles nunca me deixaram sem resposta. Foram firmes, justos e humanos. Se não fosse pelo Ministério Público, eu teria que interromper o tratamento do Breno. Agradeço a Deus e a eles por não terem nos deixado sozinhos nessa luta.”

Foto: Arquivo pessoal
Apesar da vitória, os desafios permanecem. Zenólia é mãe solo e arca praticamente sozinha com o tratamento, que custa cerca de R$ 17 mil por mês. O plano de saúde cobre apenas parte do valor, e o restante é levantado por meio de vaquinhas e doações.
Além das dificuldades financeiras, há o cansaço emocional, a falta de empatia e o medo do futuro. “O que mais me preocupa é quem vai cuidar dele quando eu não estiver mais aqui”, desabafa.
Mesmo diante do cansaço, Zenólia segue inspirando outras mães na mesma caminhada. “Não desistam. Lutem. Corram atrás. Procurem o Ministério Público, denunciem, documentem. Não aceitem menos do que o que seus filhos têm direito. A luta é cansativa, mas o resultado é transformador.”
E, com um olhar sereno e cheio de amor, conclui: “Ser mãe de uma criança com autismo severo exige muito, mas também transforma. Você descobre uma força que nem sabia que tinha.
“Cada sessão é um passo para a inclusão”, diz analista sobre avanços de Breno
A analista comportamental e neuropsicopedagoga Danielle Bessa, que acompanha o adolescente Breno Lucas Sodré Gonzaga, afirma que o acompanhamento terapêutico tem proporcionado avanços graduais e perceptíveis.
“Com a terapia, ele vem se regulando aos poucos, com intervalos cada vez maiores entre as crises. Trabalhamos a redução das explosões agressivas, o controle da frustração e o tempo de espera, além da introdução de pequenas mudanças na rotina”, detalha.
Entre os progressos mais notáveis, Danielle cita o desenvolvimento da memorização, do pareamento e da atenção sustentada, fatores que têm contribuído para reduzir comportamentos inadequados.
“Esses avanços melhoram diretamente a qualidade de vida dele e de todos ao redor. O Breno evoluiu muito, mas ainda precisa de mais acompanhamento terapêutico — pelo menos três vezes por semana — para continuar avançando e ter uma vida mais adaptada, tanto em casa quanto na convivência social”, reforça.
Para a profissional, a continuidade do tratamento é essencial. “Ele já apresentou uma melhora significativa, mas ainda há muito a ser trabalhado. Cada sessão representa um passo importante rumo à autonomia e à inclusão”, conclui