Cresce a escolha por rotinas sem álcool entre jovens brasileiros
País registra alta na abstenção entre 2023 e 2025, mas mortes e internações relacionadas à bebida atingem patamar recorde
O Brasil atravessa um momento em que duas curvas caminham em sentidos opostos. De um lado, o número de pessoas que abandonaram o consumo de álcool cresce em velocidade incomum. De outro, as consequências acumuladas por anos de uso excessivo seguem pressionando hospitais, estatísticas de mortalidade e políticas públicas. O retrato mais recente surge no Panorama Álcool e a Saúde dos Brasileiros, que indica que 64% da população se declara abstêmia em 2025, proporção consideravelmente superior aos 55% observados dois anos antes.
O movimento tem um protagonista evidente: os jovens adultos. Entre pessoas de 18 a 24 anos, o índice de abstenção chegou a 64%. Na faixa de 25 a 34 anos, alcançou 61%. A reversão ocorre em meio a um cenário de mudanças no modo como essa geração organiza prioridades, combinando atenção à saúde mental, busca por rotinas mais estáveis e recusa a padrões de consumo herdados. A bebida, tradicionalmente associada à sociabilidade, perde espaço em um ambiente em que autocontrole e desempenho passaram a ocupar posições centrais.
O avanço não se restringe aos mais jovens. Adultos com ensino superior registraram aumento expressivo da abstenção, assim como moradores das grandes regiões metropolitanas do Sudeste. Nas classes A e B, o abandono do álcool rompe uma lógica histórica que relacionava renda mais alta e consumo frequente. Em paralelo, diminuiu o número de pessoas que bebem semanal ou quinzenalmente, sinal de que a revisão não se limita ao abandono, mas também à redução deliberada da rotina alcoólica.
Ainda assim, os núcleos de risco permanecem significativos. A proporção de consumidores abusivos caiu apenas dois pontos percentuais desde 2023. Entre eles, prevalece uma percepção equivocada sobre a própria relação com a bebida. A maioria acredita manter hábitos moderados, mesmo quando ultrapassa limites reconhecidos como perigosos. A tolerância aos efeitos do álcool, frequentemente interpretada como resistência, mascara prejuízos e adia mudanças, sobretudo entre adultos que conciliam longas jornadas de trabalho e ambientes de lazer restritos.
O consumo pesado, entendido como episódios com sete doses ou mais, concentra-se principalmente entre homens, adultos de 25 a 44 anos, pessoas com ensino médio e moradores das regiões Norte e Centro-Oeste.
As consequências desse padrão aparecem com nitidez nos dados de mortalidade. Em 2023, o país registrou mais de 73 mil mortes atribuíveis ao álcool, aumento de 10% em relação a 2010. Quinze estados superaram a média nacional, com destaque para Espírito Santo, Piauí, Tocantins e Paraná. A taxa nacional alcançou 34,5 óbitos por 100 mil habitantes, patamar que pressiona sistemas estaduais em diferentes níveis de fragilidade.
Nos hospitais, a pressão é igualmente evidente. Em 2024, foram mais de 418 mil internações por causas relacionadas ao álcool, crescimento superior a 24% na comparação com a década anterior. O Paraná lidera o ranking proporcional de hospitalizações, seguido por Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.
O contraste entre o avanço da abstenção e a persistência dos danos compõe um quadro que exige investimento contínuo em políticas públicas. O país assiste a uma mudança de comportamento que se consolida entre os mais jovens, mas convive com os efeitos de décadas de consumo abusivo que ainda repercutem na mortalidade e na ocupação de leitos. A transformação presente não elimina a carga acumulada.
O que emerge é a coexistência de duas realidades. De um lado, uma sociedade que ensaia novos modos de viver sem álcool. De outro, uma estrutura de saúde que segue lidando com um legado de adoecimento. Entre esses dois polos está o desafio de construir políticas de prevenção capazes de reconhecer tanto o impulso renovador da juventude quanto as desigualdades que sustentam o consumo pesado no país.

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