Tumulto e pressão marcam sessão na Câmara de Goiânia sobre horários das distribuidoras
Com plenário tomado por trabalhadores e policiais, vereador recua e retira de votação proposta que permitiria funcionamento até às 4h59
A Câmara Municipal de Goiânia viveu, nesta quarta-feira (26), uma sessão marcada por tensão, tumulto e pressão política durante a discussão do projeto do vereador Tião Peixoto (PSDB) que pretende flexibilizar o horário de funcionamento das distribuidoras de bebidas.
A proposta amplia o atendimento presencial até 4h59, o que contraria a Lei 11.459, apelidada de “Lei do Rolando”, que obriga o fechamento dos estabelecimentos às 23h59. O plenário ficou completamente lotado por donos e funcionários dos comércios de bebidas, muitos carregando faixas e cartazes, além de policiais militares.
A mobilização buscava convencer os vereadores de que a lei atual provoca um impacto devastador no setor, com queda de 55% a 60% no faturamento, fechamento de 15 estabelecimentos e demissões que já atingem cerca de 30% da força de trabalho. A recém-criada Associação de Distribuidoras e Empórios de Bebidas do Estado de Goiás (Adebego) estima que Goiânia tenha 3,5 mil distribuidoras formais, podendo chegar ao dobro com informais.
O clima esquentou quando manifestantes reagiram às falas de vereadores contrários ao projeto, gerando momentos de gritaria e bate-boca. O presidente da sessão, Romário Policarpo (PRD), chegou a pedir que as galerias fossem evacuadas após vaias constantes. Em meio à tensão, alguns parlamentares cogitaram suspender a sessão.
Defensor da flexibilização, Tião Peixoto argumentou que a lei empurra pequenos empresários à falência e trata o setor como vilão da cidade. “Se a matéria não for aprovada, teremos que fechar boates, bares e lojas de conveniência à meia-noite. Goiânia vai parar.”
Representantes da Adebego reforçaram que defendem exclusivamente o funcionamento no modelo “compre e leve” após a meia-noite. Para eles, a retirada do projeto do debate aconteceu logo após perceberem a tendência de derrota, o que acabou sendo feito de forma estratégica, visando abrir diálogo com os vereadores que rejeitaram a proposta. “Queremos ser ouvidos. Não estamos pedindo festa nem consumo no local, apenas o direito de vender produtos lacrados”, afirmou a diretoria da entidade.
Na Câmara vereadores e PM defendem lei e falam em queda da criminalidade
No campo oposto, o vereador Sargento Novandir (MDB), autor da lei atual, se posicionou firmemente contra qualquer flexibilização, sustentando que a medida reduziu drasticamente a violência.
Dados apresentados pela Polícia Militar (PM) indicam que 43,8% dos homicídios e tentativas em 2024 ocorreram em bares ou na porta de distribuidoras. Após a lei, a corporação afirma que Goiânia teve redução de 50% a 57% nos homicídios e queda significativa em outras ocorrências violentas.
A presença expressiva de policiais no plenário, inclusive comandantes da Capital, irritou trabalhadores e gerou acusações de intimidação. Manifestantes compararam o momento a um clima de censura.
Vereadores contrários à mudança, como Lucas Vergílio (UB) e Pedro Azulão Jr. (MDB), sustentaram que a lei salva vidas e que não há como ignorar os dados. Contra fatos não há argumentos”, declarou Vergílio.
Com a ampla maioria sinalizando voto contrário, Tião Peixoto retirou o projeto antes da votação. O recuo frustrou parte do público, que esperava uma posição definitiva da Câmara.
Logo após o anúncio, Sargento Novandir sugeriu a abertura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a prefeitura que permitiria o funcionamento estendido durante o período do Natal, apesar de a lei continuar em vigor. A ideia gerou questionamentos, inclusive entre aliados, por aparentar contradição com o discurso de rigidez defendido pelo próprio vereador.
O episódio expôs um racha profundo na cidade, onde empresários afirmam que a lei destrói um setor responsável por milhares de empregos, enquanto a Polícia Militar sustenta que a limitação do horário de funcionamento é decisiva para reduzir os homicídios.
Pressão política
Ao mesmo tempo, vereadores acusam o setor de exercer pressão política e criticam o uso da PM dentro do plenário, ampliando ainda mais o clima de tensão. Nesse cenário, moradores e comerciantes seguem divididos entre a busca por mais segurança e a defesa da liberdade econômica.
Enquanto a Lei 11.459 continua valendo, com multas pesadas, risco de interdição e cassação de alvará, os trabalhadores aguardam os próximos passos, um novo projeto, um eventual TAC ou a manutenção definitiva do fechamento às 23h59.
O impasse segue sem solução clara e coloca Goiânia no centro de um debate complexo, em como equilibrar segurança pública, sobrevivência econômica e direitos coletivos.
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