Beyoncé na Justiça, Flávio tomando gosto – a maré da direita está baixa
Reduzir a pena dos envolvidos no 8 de Janeiro não resolve, pois enquanto Jair Bolsonaro estiver preso haverá um grupo exigindo sua candidatura a presidente da República. E o que a cantora tem a ver com isso? Leia
Na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro, em 2022, quase todos os artistas mais conhecidos do Brasil, e até alguns internacionais, fizeram campanha aberta para seu opositor Luiz Inácio Lula da Silva. Não como simples cabos eleitorais: foram para a briga, em mídia digital, na TV, em qualquer e todo lugar. De lá para cá, Bolsonaro acabou na cadeia e Lula, no Palácio.
Tentando barrar as narrativas da esquerda, partiu-se para seu campo, o audiovisual, e fez-se um filme, “Dark Horse”, sobre a campanha de 2018, em que se elegeu presidente. A encrenca se armou porque o trailer em inglês usa a música “Survivor”, da artista norte-americana Beyoncé, que já avisou que vai processar os (ir)responsáveis. Só faltava essa no dia em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho de você sabe quem, foi personagem novamente como candidato ao Palácio do Planalto. Dureza ser um sobrevivente.
Anistia ampla, geral e irrestrita?
Os mais otimistas da direita supõem que Flávio vai se testar nas pesquisas e, sobretudo, nas articulações para que o pai fique livre. Seus aliados com maior moderação batalham no Congresso Nacional para reduzir penas dos envolvidos no 8 de Janeiro, os mais radicais gritam que querem anistia ampla, geral e irrestrita, Bolsonaro livre e, de preferência, candidato ainda em 2026. Mas é só sair do ar-condicionado que a realidade entra em choque com a testa.
Flávio, escolhido por Jair para representar o clã como candidato do PL à Presidência da República, teve o primeiro grande dissabor ao notar que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vai cuidar da própria reeleição – farinha pouca, meu pirão primeiro ou faria lima, meu bilhão primeiro. Ao eleger 99 deputados federais em 2022, o PL ganhou o direito a fração bilionária dos Fundos Eleitoral e Partidário. A candidatura de Flávio vai dividir essa bolada com as centenas de colegas de sigla que vão competir no Brasil inteiro a governador e vice, senador e suplente, deputados estadual, federal e distrital. O que parecia muito ficou com bem menos pirão após a escolha de Jair.
Tarcísio está empatado com Lula e saiu
Se o desempenho de Flávio ficar abaixo do esperado, a bancada na Câmara dos Deputados, que dá a exata medida dos recursos dos fundões, pode se reduzir bastante. Para fazer os quase 100 parlamentares, foi necessário que Jair ficasse a um beiço de pulga de ganhar de Lula, os ministros tiveram seu tempo de uso da máquina e havia o fator Centrão. O cenário se transformou de Beyoncé em Tiririca – estrutura governamental ficou com o inimigo, o Centrão está mais dividido que pão para hóstia e Lula mantém frente considerável em todas as pesquisas (apenas Tarcísio parece à altura, empatado tecnicamente nas pesquisas do fim de semana).
Os filhos herdaram de Jair apenas o sobrenome. Da empatia, nada. Do vocabulário que tanto agrada ao povão, nada. Da simplicidade, nada. Sente-se a falta até das frases malditas e dos palavrões, características comuns a Bolsonaro e Lula, não aos rapazes de ambos os lados. Um efeito da votação baixa para presidente é a sequência escada abaixo. Quanto mais fiéis forem os companheiros, e os bolsonaristas são capazes de dar a vida pelo projeto, mais a chapa vai se contaminar. Com Flávio bem, os candidatos a governador pelo PL conquistarão os Estados; se for mal, aumentará o número de governadoriáveis liberais fora do 2º turno.
De 99 para 40 deputados federais
Prevê-se que a bancada vai murchar para cerca de 40 na Câmara e no Senado o estrago pode ser pior. A meta de fazer maioria (41 de 81) já foi para o brejo, até porque a pretensão se revelou inútil, já que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que só a Procuradoria-Geral da República tem o poder de pedir seu impeachment e de seus colegas. O PL conta atualmente com 15 senadores e sete estão com o mandato no fim, inclusive o próprio Flávio. Checagem feita por O HOJE nas pesquisas dos Estados desses senadores resulta em quadro ruim: apenas Eduardo Gomes, do Tocantins, aparece entre os favoritos – o próprio Flávio perdeu bastante no Rio de Janeiro.
Quanto mais Flávio se entusiasmar com a candidatura, mais complicado se torna tirá-lo do páreo. O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, repete que Jair Bolsonaro manda no partido, por isso é que o filho foi ungido sem se submeter a convenção, encontro de delegados, consulta a detentores de mandato, nada – o que Jair fala é conteúdo do Diário Oficial. Valdemar foi do outro lado, o PL teve o vice (José Alencar) nos dois primeiros governos de Lula (2003/2010). Envolveu-se nos escândalos por questões de campanha. Portanto, um sujeito experiente. Deve estar engolindo seco, mas daquela garganta não vai sair uma palavra contra as muitas palavras que Flávio diz ouvir do pai durante suas visitas à Polícia Federal, onde Jair cumpre pena.
CORRELATA
Recuo de Tarcísio faz Centrão fechar com Lula
O Centrão, conjunto de parlamentares considerados menos expressivos do Congresso Nacional, apoia o presidente da República. Qual? Qualquer um. O único a ignorá-lo foi Jair Bolsonaro, mas somente nos dois primeiros anos, depois se rendeu incondicionalmente. Agora, seu filho Flávio está com o desafio de reunir os antigos aliados desse imenso setor da vida política nacional. Pedreira, viu. Água mole não consegue nada ali, a menos que molhe mãos.
Fidelíssimo, Tarcísio de Freitas saiu da corrida presidencial em seu melhor momento. Pode ser um recuo para voltar logo e mais forte, porém, mesmo que por pouco tempo, está fora. Essa iniciativa do governador de São Paulo vai entregar o Centrão nos braços de Lula – aliás, a parte que ainda não está com o presidente.
Os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil de Goiás) e Ratinho Jr. (PSD do Paraná) se mostram dispostos a continuar na caminhada rumo ao Palácio do Planalto. O de Minas Gerais, Romeu Zema, parece meio imóvel, sem agenda de presidenciável. Os demais desistiram ou estão parados esperando a morte da bezerra (nenhum animal sofreu maus-tratos durante a confecção deste parágrafo). Caiado e Ratinho estão com estrada aberta para competir com Lula pelo Centrão.
Ficou mais fácil para Caiado em relação a sua sigla. Depois que um filiado (Celso Sabino, do Turismo) preferiu ser expulso a deixar a equipe de Lula, o partido não tem como fazer aliança com o PT. Ratinho também encontrou brecha no PSD, que iria com Tarcísio para presidente da República.
As notícias são de tal maneira rápidas que as fontes nada garantem. No início da noite desta terça-feira (9), O HOJE entrevistou dois parlamentares ligados a Flávio que haviam participado de reuniões pouco antes. Pediram mil desculpas e só dariam informações com a garantia do anonimato. Off garantido, qual novidade trouxeram? As que estão neste texto: Flávio se animou com o protagonismo, a direção do PL está com Jair Bolsonaro até para as piores decisões e está sem partido para se coligar. O sr. acha que Flávio vai continuar candidato? Ambos disseram que sim. Se isso é bom ou não, só o resultado das urnas dirá para os três.