Vagas abertas, inclusão travada: por que empresas e PCDs não se encontram no mercado de trabalho
Mutirão com 408 vagas para PCDs em Goiás resulta em apenas três contratações mantidas após 30 dias e expõe entraves como salários pouco atrativos, barreiras de mobilidade e medo de perda de benefícios sociais
A dificuldade das empresas em cumprir a legislação de cotas para pessoas com deficiência (PCDs) vai além da simples abertura de vagas. Em Goiás, um exemplo recente evidencia a complexidade do cenário. No Dia D da Contratação de PCDs, promovido em novembro pelo Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Urbana e Terceirização de Mão de Obra do Estado de Goiás (SEAC-GO) em parceria com o Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Transporte de Valores e Cursos de Formação do Estado de Goiás (SINDESP-GO), foram disponibilizadas 408 vagas de emprego. No entanto, apenas sete pessoas com deficiência compareceram ao mutirão e, passados 30 dias, somente três permaneciam contratadas.
O balanço expõe um paradoxo cada vez mais frequente no mercado de trabalho: de um lado, empresas que afirmam ter vagas reais, adaptadas e disponíveis; de outro, pessoas com deficiência que relatam dificuldades para acessar, aceitar ou permanecer nesses postos. O resultado é um desencontro estrutural que envolve fatores econômicos, sociais e culturais.
Segundo a diretora de Empregabilidade Jovem da Associação Brasileira dos Profissionais de Recursos Humanos de Goiás (ABPRH-GO), Lilian Alencar de Castro, a baixa adesão não pode ser atribuída a um único motivo.
“As empresas enfrentam desafios significativos na inclusão de pessoas com deficiência, mesmo com iniciativas Um dos principais fatores é a cultura organizacional. Muitas organizações ainda não estão plenamente preparadas para acolher a diversidade, o que se reflete em ambientes que não são adequadamente adaptados. Além disso, há uma falta de conscientização sobre as habilidades e potenciais que esses profissionais podem trazer”, afirma.
Para a especialista, além das barreiras físicas, há entraves internos à gestão. A ausência de programas de mentoria, formação específica e planos de desenvolvimento profissional limita a retenção desses trabalhadores.
O descompasso entre oferta e demanda também passa pela forma como as vagas são divulgadas. Lilian destaca que muitas oportunidades não chegam de forma clara e acessível ao público-alvo. “Isso pode estar atribuído a problemas de comunicação e à falta de atratividade das vagas. O RH deve reavaliar suas estratégias de comunicação e trabalhar em parceria com instituições de ensino e organizações de apoio para garantir que as oportunidades sejam claramente apresentadas e visíveis”, avalia.
Outro fator decisivo é o receio de perder o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a mais de 101 mil pessoas com deficiência em Goiás, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O medo de abrir mão da única fonte de renda estável ainda pesa na decisão de aceitar um emprego formal.
“Essa insegurança financeira pode levar a uma hesitação em aceitar ofertas de emprego, mesmo quando as condições são favoráveis. Além disso, as dificuldades de adaptação no ambiente corporativo, como a falta de infraestrutura adequada e a ausência de uma cultura inclusiva, podem criar um sentimento de exclusão”, explica Lilian.
Setor produtivo aponta entraves estruturais além da abertura de vagas para PCDs

Do ponto de vista do setor produtivo, o desafio é igualmente complexo. O presidente do SEAC-GO, Paulo Gonçalves da Silva, afirma que o Dia D foi planejado com estrutura acessível, intérpretes, ampla divulgação e possibilidade de contratação imediata. Ainda assim, os resultados ficaram aquém do esperado.
“A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um desafio estrutural e multifatorial […] Não se trata apenas de criar vagas, mas de garantir condições reais para que essas vagas sejam ocupadas e mantidas”, ressalta.
Entre os principais entraves estão a mobilidade urbana, a distância entre a residência dos candidatos e os postos de trabalho, além da incompatibilidade entre perfil profissional e função ofertada.
“Os setores representados pelo SEAC-GO e pelo SINDESP-GO são essenciais para o funcionamento das cidades e operam, em grande parte, com postos descentralizados, além de jornadas que podem incluir turnos alternados, finais de semana e horários noturnos”, explica.
Paulo Gonçalves reforça que a baixa adesão não reflete a falta de compromisso das empresas. “Há vagas reais, adaptadas e disponíveis. O desafio está em alinhar essas oportunidades às condições objetivas dos candidatos. Sem políticas complementares de transporte acessível, orientação vocacional e suporte social”, defende.
O debate também levanta uma questão sensível: existe número suficiente de pessoas com deficiência aptas e interessadas para atender ao percentual exigido por lei? Para os sindicatos, o modelo atual precisa ser aprimorado. “A legislação de cotas é fundamental, mas isoladamente não resolve o problema. Há uma lacuna entre a existência das vagas e a capacidade de preenchê-las de forma sustentável”, avalia o presidente do SEAC-GO.
Com cerca de 482 mil pessoas com deficiência em Goiás, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desafio não está apenas na quantidade, mas nas condições de acesso, qualificação e permanência.
“A inclusão não pode ser tratada apenas como cumprimento legal. Ela precisa ser construída como um processo contínuo, que envolva empresas, poder público e sociedade”, conclui Paulo Gonçalves.
Enquanto esse alinhamento não acontece, o mercado segue convivendo com vagas abertas de um lado e trabalhadores à margem do outro — um retrato claro de que a inclusão vai muito além da boa intenção.