Ajuste nas contas do Tesouro atinge em cheio despesas com a Covid-19

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de julho de 2021

As despesas primárias do governo central, envolvendo as contas da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), sofreram corte de R$ 82,891 bilhões nos cinco primeiros meses deste ano em relação a igual período do ano passado, em valores nominais (quer dizer, sem levar em conta a inflação do período). Esse tipo de gasto, como se sabe, não inclui os bilhões que o governo descarrega mensalmente nos mercados para remunerar os detentores de títulos públicos federais. Mais assombroso ainda, os cortes foram executados, fria e premeditadamente, principalmente sobre os recursos reservados para o enfrentamento direto ao Sars-CoV-2 e suas consequências. Vale dizer, o ajuste assume um caráter nitidamente perverso, reduzindo substancialmente a capacidade de o governo reagir à pandemia e tentar mitigar seus efeitos dramáticos sobre a população e, em especial, sobre os pequenos negócios e famílias muito pobres.

Ainda em valores correntes, as despesas primárias com a Covid-19 despencaram nada menos do que 68,17% no período considerado, caindo de R$ 113,802 bilhões nos cinco meses iniciais de 2020 para apenas R$ 36,223 bilhões no mesmo período deste ano, numa redução de R$ 77,578 bilhões – o que representou 93,59% do corte imposto ao total gasto pelo Tesouro entre janeiro e maio deste ano. Há um agravante nesses números. Como se sabe, a pandemia chegou ao País em março do ano passado. As despesas contra o novo coronavírus cobrem, portanto, apenas três meses de 2020 (entre março e maio). O tombo é ainda mais severo, portanto, quando se consideram os gastos médios mensais em cada ano. Neste caso, a despesa desaba de R$ 37,934 bilhões para R$ 7,245 bilhões, numa retração de 80,9%.

Corte perverso

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A mão pesada da equipe econômica e sua insensibilidade ruinosa frente ao sofrimento de todo um país explicam em grande parte como os números do Tesouro apresentaram melhoria neste ano – uma melhoria enganosa, no entanto, pois todo o dinheiro “poupado” com as vítimas da Covid ajudou a irrigar os ganhos no cassino dos juros. Na soma total, excluídos as despesas com juros, o Tesouro gastou R$ 601,537 bilhões nos cinco primeiros meses deste ano, frente a R$ 684,427 bilhões em igual intervalo de 2020, o que correspondeu a uma queda nominal de 12,11%, num corte de R$ 82,891 bilhões, conforme já anotado. As receitas líquidas saltaram 34,53% na mesma comparação, saindo de R$ 461,935 bilhões para R$ 621,448 bilhões. Assim, o resultado primário do Tesouro (receitas menos despesas) ficou positivo em R$ 19,911 bilhões, o que se compara com o rombo de R$ 222,493 bilhões acumulado nos cinco primeiros meses do ano passado, quando o volume de recursos para o combate à Covid-19 foi substancialmente mais elevado, como visto.

Balanço

  • Em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as receitas líquidas avançaram a um ritmo de 26,79%, diante de uma redução de 17,27% na ponta das despesas. Quando corrigidos pela inflação, os dados mostram que a contribuição da alta nas receitas e da queda nas despesas na composição do resultado primário foram quase equivalentes.
  • As receitas avançaram de R$ 496,970 bilhões para R$ 630,550 bilhões, em números arredondados, num ganho de R$ 133,580 bilhões. As despesas, sempre no conceito primário, baixaram de R$ 736,851 bilhões para R$ 609,633 bilhões, resultado de um corte de R$ 127,218 bilhões. O resultado primário (receitas menos despesas) saiu de um déficit de R$ 239,881 bilhões nos cinco primeiros meses do ano passado para um superávit de R$ 20,917 bilhões.
  • Analisados os dados, o aumento das receitas contribuiu com mais da metade do ajuste observado (51,2%), com contribuição de quase 48,8% por conta da queda das despesas. Essa comparação torna mais evidente a influência da forte retração das despesas com a pandemia no “ajuste” perpetrado pela equipe econômica.
  • Os números desagregados das despesas mostram cortes drásticos nos chamados “créditos extraordinários”, que permitiram ao governo financiar despesas não esperadas no ano passado, fundamentalmente geradas pela pandemia, mas foram reduzidos vigorosamente neste ano. Houve contribuição da redução dos gastos com benefícios previdenciários, hipoteticamente relacionadas à reforma da Previdência, além de alguma queda nas despesas com pessoal e encargos sociais. E cortes severos em despesas com saúde e educação, além da redução radical nos investimentos e no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
  • Somadas, as despesas sujeitas a programação financeira e aquelas classificadas como discricionárias na área da saúde sofreram redução de R$ 6,448 bilhões, caindo de R$ 50,377 bilhões entre janeiro e maio de 2020 para R$ 43,929 bilhões em igual período deste ano – o que representou uma redução de 12,80% em termos reais. Sob os mesmos critérios, a educação recebeu R$ 9,308 bilhões nos cinco primeiros meses deste ano, mas havia gasto R$ 11,527 bilhões no mesmo intervalo de 2020, quer dizer, R$ 2,219 bilhões a menos, numa redução de 19,25%.
  • A conta de investimento, novamente sacrificada, despencou 34,79% entre os dois períodos, saindo de R$ 13,253 bilhões para R$ 8,642 bilhões (R$ 4,611 bilhões a menos). As despesas com subsídios foram atingidas fortemente, com retração de 87,16% na mesma comparação, já que saíram de R$ 22,229 bilhões para R$ 2,854 bilhões. O corte de R$ 19,375 bilhões nesta área explicou 15,23% da redução das despesas primárias totais. Para completar, num momento em que o desemprego atinge níveis históricos, o gasto com seguro desemprego caiu 7,7% em termos reais, recuando de R$ 16,779 bilhões para R$ 15,488 bilhões.