Ajuste perverso atinge gastos que mais geram crescimento econômico

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de junho de 2021

Para uma corrente majoritária do pensamento econômico, parece claro que as despesas do governo continuam numa espiral de alta que, ao fim e ao cabo, acabará levando toda a economia ao fundo do poço, como decorrência da quebradeira geral a se instalar no setor público. Esse tipo de análise, de resto desmentida pelos dados concretos, acaba por consolidar na opinião pública uma visão negativa, catastrófica mesmo, em relação ao papel do Estado na economia. Na realidade, o ajuste fiscal está em pleno curso e tem contribuído para gerar distorções em cadeia, impedindo que a economia ganhe fôlego e volte a crescer.

“Uma análise detalhada do atual ajuste fiscal mostra que foi realizado um corte muito significativo nas despesas públicas que geram crescimento econômico. No entanto, despesas improdutivas, que geram iniquidade, e investimentos sem avaliação de retorno foram preservados”, sustenta o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB).

Pires lembra, em artigo veiculado pelo Blog do Ibre, que há uma controvérsia instalada entre os economistas em relação à “intensidade do ajuste fiscal” praticado nos últimos anos. Para aqueles que ele classifica como “mais céticos”, o ajuste teria sido insuficiente “porque as despesas não caíram como percentual do PIB (Produto Interno Bruto) como necessário”. Já os economistas que defendem uma “flexibilização fiscal”, prossegue Pires, “argumentam que o governo não investe adequadamente e que flerta anualmente com a paralização da máquina pública”.

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Contenção inequívoca

Como se sabe, o ano passado foi atípico em função da aprovação de créditos extraordinários para o enfrentamento da pandemia. O economista exclui esses créditos, assim como desconta os gastos com auxílio aos Estados e prefeituras e o Bolsa Família (reduzido no ano passado porque grande parte das famílias atendidas preferiu aderir ao auxílio emergencial). As despesas primárias (sem o gasto com juros) regularmente executadas pelo Tesouro foram corrigidas pela inflação, aferida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de forma a oferecer um “diagnóstico objetivo” sobre seu comportamento e sobre a polêmica que movimenta economistas, analistas em geral e comentaristas econômicos. Seu parecer: “É inequívoco que os últimos governos adotaram, desde 2015, uma série de medidas de contenção do gasto público.”

Balanço

  • No período analisado por Pires, que vai de 2016 a abril deste ano, tomando valores acumulados em 12 meses até então, a despesa primária sofreu corte de R$ 23,743 bilhões, recuando de R$ 1,484 trilhão para R$ 1,460 trilhão, quer dizer, uma diminuição de 1,6%. Parece “pouco”, mas deve-se lembrar que o gasto havia crescido 18,8% entre 2011 e 2014, aponta o economista. “Esse número agregado mostra que a mudança da trajetória no crescimento da despesa primária foi consistente”, reforça ainda.
  • Além das políticas de arrocho, consolidadas no famigerado teto de gastos, a análise em detalhe das despesas mostra um ajuste de baixa qualidade, perverso e irracional, porque atinge exatamente despesas que poderiam influir no desempenho geral da economia e preserva outras de caráter nitidamente iníquo, que ajudam a encastelar privilégios dentro do orçamento federal.
  • No setor de pessoal, incluindo encargos sociais, as despesas chegaram a avançar 6,4% em termos reais, passando de R$ 313,686 bilhões para R$ 333,917 bilhões, num acréscimo de R$ 20,231 bilhões. Mas a folha de pessoal civil, considerando o pessoal na ativa, ficou virtualmente congelada no período analisado por Pires, estacionada na faixa de R$ 140,980 bilhões nos 12 meses encerrados em abril deste ano (R$ 140,951 bilhões em 2016).
  • Parte do aumento na folha deveu-se ao avanço nas despesas com militares da ativa, que saltaram de R$ 29,980 bilhões para R$ 34,853 bilhões, numa alta real de 16,3%. Os gastos com militares reformados e com pensões militares aumentaram 19,2% entre 2016 e 2021, avançando de R$ 47,853 bilhões para R$ 57,026 bilhões. Num detalhe nada desprezível, Pires aponta que “quase todo o crescimento dos gastos com militares reservistas e pensionistas ocorreu a partir de 2019”.
  • Somando militares na ativa, reservistas e pensionistas da área, as despesas subiram 18,1% no período analisado, passando de R$ 77,833 bilhões para R$ 91,879 bilhões (mais R$ 14,046 bilhões). Ou seja, os militares responderam por 69,4% do aumento registrado pela folha total de pagamentos do governo desde 2016.
  • Os gastos do regime geral da Previdência continuaram subindo, mas apresentaram desaceleração evidente, saindo de uma variação acumulada de 19,0% entre 2011 e 2014 para elevação de 10,5% de 2016 até os 12 meses finalizados em abril deste ano.A dimensão do ajuste pode ser avaliada também quando se consideram as despesas primárias, excluídos gastos com benefícios previdenciários. Neste caso, os gastos restantes encolheram 10,59% a partir de 2016, desabando de R$ 852,610 bilhões para R$ 762,318 bilhões – ou seja, um corte de R$ 90,292 bilhões.
  • Conforme Pires, “as despesas discricionárias apresentaram queda real de 39%. Os gastos com educação e saúde (excluindo o funcionalismo) caíram 37% e 4%, respectivamente. Os gastos de transporte, onde estão a maior parte dos investimentos, e ciência e tecnologia caíram 41% e 51%, respectivamente”. O investimento do governo federal encolheu 30,84% e ficou limitado a R$ 40,268 bilhões nos 12 meses até abril deste ano, frente a R$ 58,225 bilhões em 2016.
  • “É preciso inverter a lógica fiscal sendo austero em gastos improdutivos que resultam em iniquidades e aperfeiçoar os gastos produtivos porque a situação atual é difícil de ser sustentada”, sustenta Pires.