Coluna

Algo de muito suspeito na venda de TAG, empresa da Petrobrás, para multinacional

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 18 de junho de 2019

A
sequência de eventos que resultou na venda de mais uma importante subsidiária da
Petrobrás para um grupo privado estrangeiro levanta dúvidas sobre como têm sido
conduzidos os negócios da estatal brasileira nos últimos anos e especialmente
em relação ao processo de “desinvestimento” (liquidação, na verdade) de ativos
e participações da petroleira. O negócio, num total de R$ 33,5 bilhões, foi
comunicado pela Petrobrás ao mercado oficialmente no dia 13 de junho,
envolvendo a venda da Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG) para um grupo
formado pela franco-belga Engie, que assumiu 29,25% da transportadora; pela
controlada brasileira Engie Brasil Energia (EBE), que levou outros 29,25%; e
pelo fundo canadense CaisseDépôt et Placementdu Québec (CDPQ), com 31,5%;
restando 10% de participação para a própria Petrobrás.

A
TAG mantém linhas de gasodutos ligando as regiões Nordeste e Sudeste,
acompanhando o litoral, e a província petrolífera de Urucu, no meio da mata
amazônica, a Manaus (AM), numa extensão de 4,5 mil quilômetros. É estratégica
especialmente na distribuição de gás extraído na costa nordestina para o
restante da porção litorânea brasileira. Mas estes são pontos que há muito
deixaram de ter relevância no processo de decisões dentro da empresa e do
governo.

Semanas
antes, em teleconferência com investidores, segundo noticiava à época o jornal
Valor Econômico (08.04.19), o presidente do braço brasileiro da Engie, Maurício
Bähr, afirmou que 80% do valor de venda da TAG (US$ 8,6 bilhões a preços de
então) foram definidos com base em contratos já existentes de transporte de
gás, “sendo um deles com vencimento em 2025 e os demais após 2030”. Segundo
Bähr, “Já está tudo negociado e todos os financiamentos, garantidos. Mais do
que garantidos. [Os financiamentos] são 100% baseados nas receitas dos
contratos com a Petrobras. Isso já está garantido com os bancos. Agora é só
questão de execução”.

Continua após a publicidade

Premonição

Certamente,
aqueles contratos, fechados lá atrás, não poderiam ter dons premonitórios. Sua
confecção, como ocorre em contratos do tipo, levou em conta condições atuais de
mercado e projeções para os anos seguintes, com certeza. Mas também com certeza
não poderiam considerar que essas condições poderiam ser alteradas radicalmente
por eventos futuros impossíveis de antecipar, como a descoberta de campos de
gás gigantescos. Se isso viesse a ocorrer – e de fato ocorreu –, deve-se
concordar que as premissas que definiram os valores de venda da TAG deveriam
sofrer alterações, passando a considerar um valor presente muito mais elevado
para o negócio vendido há poucos dias para a Engie. Não parece que isso vá
acontecer. Aliás, a estatal abriu mão da TAG e agora passará a pagar à Engie
para transportar seu gás até os mercados do Sudeste.

Balanço

·  
Antes
do anúncio da descoberta, certamente já de conhecimento da direção da estatal
brasileira, tão empenhada em “salvar a companhia”, outros eventos merecem ser
relacionados para que não se perca a sequência.

·  
A
venda da TAG vinha sendo questionada na Justiça, mais precisamente no Supremo
Tribunal Federal (STF), que havia concedido liminar suspendendo temporariamente
a operação.

·  
No
dia 6 de junho, o STF decidiuautorizar a venda de
subsidiárias de empresas estatais sem licitação (mas vetou a venda de suas
controladoras, igualmente estatais, sem passar pelo Congresso e sem licitação).
No mesmo dia, ministro Luiz Edson Fachin, do STF, liberou venda da TAG,
oficializada pela Petrobrás praticamente uma semana depois.

·  
A
confirmação das descobertas no litoral de Sergipe, com potencial para produção
de 20 bilhões de litros de gás por dia, um terço de toda a produção brasileira
atual, foi registrada pela imprensa no dia 16 de junho, três ou quatro dias
depois de formalizado o negócio com a Engie. Com base nos valores antecipados pelo
presidente da Engie Energia do Brasil ainda no começo de abril.

·  
Em
nota oficial, divulgada na segunda-feira, 17, a Petrobrás alegou que seis
descobertas em águas profundas haviam sido confirmadas nos últimos anos na
Bacia de Sergipe (Cumbe, Barra, Farfan, Muriú, Moita Bonita e Poço Verde),
“conforme já divulgado ao mercado”. E que um teste de longa duração está
previsto neste ano para o poço de Farfan, para subsidiar “estudos para uma
melhor caracterização da rocha-reservatório e dos fluidos desta área”.

Mas nem uma palavra sobre a modelagem que levou
à definição do preço final da TAG.