“Austericidas” querem arrochar educação e saúde. Mas não querem teto para juros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de maio de 2024

Os jornalões deste final de semana vieram recheados de artigos e “análises” da turma do austericídio em defesa do fim das vinculações de gastos para os setores da educação e da saúde, reclamando limites ainda para o crescimento das despesas com o pagamento de benefícios de prestação continuada (BPC) a famílias com pessoas incapazes e deficientes. O cardápio incluía, adicionalmente, a proposta de abandono da política de valorização real do salário mínimo, considerada como causa principal, senão exclusiva, do agravamento das contas da Previdência Social e, para completar, também do aumento “abusivo” do BPC.

Todas aquelas linhas do orçamento geral da União, por evidente, favorecem especialmente a parcela mais desassistida da população, as milhões de famílias de renda mais baixa e mesmo sem renda alguma, que dependem das transferências de recursos do setor público para assegurar a própria sobrevivência e algum bem-estar social, nem sempre ao alcance de todos. Categorias, portanto, sem capacidade de organizar lobbies potentes a ponto de “comover” analistas e comentaristas, deputados e senadores nos corredores e anexos do Congresso Nacional.

Na visão da “milícia austericida”, as vinculações constitucionais das despesas com educação e saúde, assim como os mecanismos adotados pelo setor público federal para atualizar gastos com mais pobres, assim como aposentadorias e pensões, seriam a “causa central do desequilíbrio fiscal crônico”, na escrita de um dos mentores dessa turma, tido e havido como um dos formuladores do teto de gastos ainda na gestão Michel Temer. Feitas as contas, tivessem todas aquelas despesas sido corrigidas apenas pela inflação, assim como os valores das emendas parlamentares, amplamente inchadas pelo “parlamentarismo” disfarçado em vigor, o setor público federal poderia ter poupado em torno de R$ 131,6 bilhões, em grandes números, já considerando as dotações incluídas no orçamento federal para aqueles setores neste ano.

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Sem cortes, sem teto

Isso significaria transformar o déficit primário esperado para 2024 de R$ 9,3 bilhões para um superávit de R$ 122,3 bilhões, algo como 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo diante de uma eventual melhora no resultado primário, quer dizer, na diferença entre receitas e despesas, excluídos gastos com juros, a dívida pública federal continuaria avançando, já que os juros continuarão sendo a principal fonte de crescimento dos níveis de endividamento do setor público. E a “esquadrilha do arrocho fiscal” não está preocupada com a montanha de dinheiro público imobilizado apenas para fazer frente aos gastos com juros. Vale dizer, a “milícia austericida” não está nem um pouco interessada em estender a política de cortes, passando a incluir as despesas financeiras, e muito menos em fixar um teto para os juros.

Balanço

  • Considerando os dados oficiais divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e pela plataforma Siga Brasil, do Senado, as despesas nominais efetivamente pagas com educação, saúde, benefícios previdenciários e benefício de prestação continuada somaram perto de R$ 916,4 bilhões em 2019, algo como 12,4% do PIB. No ano passado, foram gastos qualquer coisa abaixo de R$ 1,315 trilhão, correspondendo a 12,1% do PIB.
  • Caso tivessem recebido apenas a atualização com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as despesas naquelas áreas teriam consumido em torno de R$ 1,201 trilhão, passando a representar qualquer coisa ao redor de 11,1% do volume de riquezas produzidas pela economia. Ou seja, teria havido um corte de aproximadamente 1,33% na relação com o PIB. A valores nominais, a medida representaria uma “economia” de R$ 113,36 bilhões (o dado não inclui as despesas com emendas parlamentares, que, sim, deveriam ser reguladas e submetidas a um sistema mais rigoroso de controle e fiscalização).
  • Um exercício matemático permite demonstrar que a mesma sorte de providências tenderia a trazer resultados ainda mais auspiciosos, sob o ponto de vista fiscal, caso aplicada sobre os juros. Com benefícios macroeconômicos mais amplos. O governo central, incluindo o setor público federal e o Banco Central (BC), havia gasto perto de R$ 310,115 bilhões com juros ao longo de 2019, equivalente a 4,20% do PIB, passando a desembolsar nada menos do que R$ 614,548 bilhões ao longo de 2023 – o que representou 5,66% do produto, quer dizer, 1,46 pontos percentuais a mais.
  • Se houvesse um teto para despesas com juros, limitando sua variação à inflação ano a ano, o governo teria gasto R$ 406,542 bilhões no ano passado, reduzindo a relação com o PIB para 3,74% (quer dizer, em torno de 1,92 pontos a menos). A economia teria somado em torno de R$ 208,006 bilhões, praticamente 83,5% a mais do que os valores que seriam “poupados” com cortes em despesas efetivamente essenciais, destinadas a prover algum bem-estar aos menos favorecidos. Para deixar anotado, gastos com juros apenas fomentam o patrimônio dos muito ricos no cassino das altas finanças instalado no País, sem gerar um mísero parafuso e nenhum efeito sobre o emprego – ao contrário, pois a política de juros altos tem como propósito esfriar a atividade econômica, frear o emprego e a renda dos trabalhadores, para derrubar os preços e a inflação.
  • O resultado nominal do governo central, que inclui gastos financeiros (juros e encargos sobre a dívida), saltou 120,3% entre 2019 e 2023, avançando de R$ 399,014 bilhões para R$ 879,081 bilhões, num acréscimo de R$ 480,076 bilhões no período. O aumento de R$ 304,433 bilhões na conta dos juros em igual intervalo explica dois terços daquela piora e, portanto, do maior endividamento do setor público.
  • Caso houvesse a mesma intensidade nas cobranças por maior racionalidade nas despesas com emendas parlamentares, o ajuste poderia ocorrer sem o sacrifício de setores essenciais. Nos dados do Siga, já incluindo restos a pagar, as emendas haviam consumido R$ 9,98 bilhões em 2019, subindo para R$ 34,42 bilhões, em lata de 144,9%. Limitadas à inflação, as emendas teriam alcançado R$ 13,08 bilhões, ou seja, R$ 24,44 bilhões a menos. Para este ano, a previsão orçamentária para as emendas contempla R$ 44,674 bilhões (4,48 vezes mais do que em 2019). A correção pelo IPCA projetado para este ano deixaria essas despesas próximas a R$ 13,580 bilhões, o suficiente para eliminar o déficit primário e gerar um pequeno superávit de R$ 21,8 bilhões neste ano, em torno de 0,2% do PIB (tão insignificante quanto o déficit esperado para 2024).
  • Numa anotação final, as estimativas em torno do impacto fiscal dos reajustes do salário mínimo em geral desconsideram integralmente os efeitos dessa política sobre a renda dos trabalhadores, sobre a demanda e, portanto, sobre a arrecadação. Num trabalho do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), calcula-se que o reajuste mais recente do salário mínimo, de R$ 1.320 para R$ 1.412 (R$ 92,00 a mais, numa correção nominal de 6,97%), deverá acrescentar R$ 69,903 bilhões na renda de 59,320 milhões de pessoas que recebem o mínimo, gerando uma arrecadação adicional de R$ 37,678 bilhões.