“Bolsa juros” eleva dívida e consome 4,5 vezes mais recursos do que Bolsa Família

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 18 de abril de 2024

O “trio parada dura” do austericídio, entrevistado dia sim e outro também pela autoproclamada grande imprensa, formado por um físico com formação em economia, uma economista ainda hoje a serviço de instituições financeiras e um brutamontes que chegou a ocupar uma diretoria no Banco Central (BC), despejou sua verborreia habitual pelos canais de tevê contra o que considera um “afrouxamento” da meta fiscal. Repetir o déficit zero no próximo ano e adiar um superávit fiscal (receitas menos despesas, sem incluir os juros) mínimo para 2026 significaria condenar a economia ao avanço inexorável da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), trazendo como consequência um crescimento sempre baixo da atividade e promovendo ainda o descrédito da política fiscal ao desacreditar a política de metas nesta área.

Obviamente, uma parte da equação que tem produzido o aumento da dívida pública interna – aliás a parcela mais relevante – foi devidamente varrida para debaixo do tapete nesse debate distorcido desde o início pelo terrorismo fiscal estimulado pela corrente mais conservadora do pensamento econômico. Trata-se, evidentemente, da política de juros altos executada pelo Banco Central (BC). Essa política tem duplo efeito sobre o endividamento do setor público, a começar pelo aumento direto gerado pela necessidade de cobrir as despesas com juros.

Outro efeito, igualmente pouco considerado pela ortodoxia, está relacionado ao baixo crescimento a que a economia tem sido condenada justamente pelos juros altos. Com o baixo crescimento do PIB e a pressão dos juros sobre as despesas financeiras, a relação entre dívida e PIB torna-se crescente. Na equação dos ultraliberais, o superávit primário deveria fazer frente àquelas despesas financeiras, que passaram a corresponder a 7,27% do PIB no primeiro bimestre deste ano (mas atingiram 5,85% do PIB no acumulado em 12 meses até fevereiro de 2024, apenas na área do governo central). Como parece evidente, um arrocho nessas proporções exigiria um corte desumano de despesas, que penalizaria especialmente as famílias de renda mais baixa, que mais dependem de serviços públicos.

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Inversão de valores

A cegueira, que também contamina a grande imprensa, levando a uma inversão total de valores, impede que se perceba a mais absoluta iniquidade de uma política de arrocho daquele tipo. Nos dois primeiros meses deste ano, o governo central gastou em torno de R$ 129,156 bilhões apenas para pagar a “bolsa juros” a alguns milhares que se beneficiam do cassino de juros altos. Para comparar, aqueles valores foram 4,51 vezes mais elevados do que os recursos destinados ao Bolsa Família, que somaram menos de R$ 28,612 bilhões em janeiro e fevereiro passados. A receita conservadora defende cortes nas despesas primárias, excluídos os juros, categoria que abriga do Bolsa Família. Um corte de 44% nos gastos com juros teria praticamente o mesmo efeito sobre o rombo nominal, que inclui aqueles gastos. 

Balanço

  • Comparado ao primeiro bimestre do ano passado, a despesa com juros cresceu 23,35%, num acréscimo de R$ 24,453 bilhões, saindo de R$ 104,703 bilhões para aqueles R$ 129,156 bilhões em termos reais. Apenas para dar uma proporção, o avanço do Bolsa Família, que recebeu R$ 27,499 bilhões nos dois primeiros meses do ano passado, ficou limitado a 4,04%, com acréscimo de R$ 1,112 bilhão, equivalente a 4,5% do aumento nas despesas com juros.
  • Os beneficiários da Previdência Social, em outro exemplo, receberam R$ 140,735 bilhões naqueles mesmos dois meses, numa variação real, depois de descontada a inflação, de 4,92% em relação a igual período do ano passado, num incremento de R$ 6,596 bilhões em relação a R$ 134,139 bilhões na soma de janeiro e fevereiro de 2023. Considerados em conjunto, o avanço dos gastos com Bolsa Família e Previdência representou meramente 31,52% do aumento registrado pelos recursos desviados para fazer frente aos juros.
  • Os impactos da política de juros sobre o saldo da dívida pública interna estão expostos nos relatórios da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). São dados colocados à disposição de todos e, muito obviamente, conhecidos sobejamente pelo terrorismo fiscal. Entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano, o estoque da dívida pública interna variou 0,80% ao passar de R$ 6,269 trilhões para R$ 6,319 trilhões, num acréscimo de R$ 50,290 bilhões.
  • Na mesma comparação, o governo recomprou liquidamente R$ 57,158 bilhões em títulos da dívida pública interna, já descontada as emissões de novos títulos. Isso significa que, não houvessem outros fatores interferindo, o saldo devedor tenderia a recuar 0,90% no período. E por que não caiu? Precisamente por conta dos juros apropriados ao saldo daquela dívida, que somaram R$ 107,448 bilhões, saltando 120,87% em 12 meses.
  • Observada num período mais longo, a dívida mostra comportamento semelhante. Em fevereiro do ano passado, o saldo devedor chegava a R$ 5,617 trilhões e avançou R$ 702,266 bilhões até igual mês deste ano, subindo 12,50%. Mas o lançamento ou venda de títulos novos da dívida respondeu por 8,71% do crescimento observado no período, aproximando-se de R$ 61,158 bilhões. O grosso daquele aumento veio do gasto com juros, que consumiram R$ 617,798 bilhões, numa contribuição de praticamente 88,0% para o aumento da dívida. Essa ponta da equação, essencial para explicar o endividamento crescente, tem sido escamoteada desde sempre no debate econômico.