Consultas ao BNDES registram alta real de 161% em todo o País

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de maio de 2023

Em meio a um cenário de incertezas em relação ao futuro da economia no curto prazo, com os juros sufocando a atividade econômica, especialmente no setor industrial, as consultas ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em todo o País iniciaram o ano em crescimento acelerado. O movimento de alta, embora expressivo, deve ser avaliado no contexto de desmonte a que o banco de fomento veio sofrendo desde 2016, levando em conta ainda os desajustes impostos por crises em sequência, incluindo o longo período da pandemia, e o ciclo de crescimento medíocre observado há praticamente uma década.

Em termos reais, já descontado o efeito da inflação sobre os valores buscados pelas empresas nos cofres do BNDES, as consultas para financiamento de projetos privados subiram de R$ 15,191 bilhões no primeiro trimestre do ano passado para algo ligeiramente inferior a R$ 39,644 bilhões no mesmo período deste ano, num salto real de 160,97%. As propostas de contratação de novas operações de crédito alcançaram os valores mais elevados para o período desde o trimestre inicial de 2015, quando as consultas haviam atingido praticamente R$ 40,183 bilhões. Como parece evidente, mesmo o salto ocorrido na passagem dos primeiros meses de 2022 para idêntico intervalo deste ano não foi suficiente para retomar valores observados oito anos atrás, persistindo um recuo de 1,34% em termos reais.

Para se ter uma dimensão do desmonte ocorrido, sempre tomando o primeiro trimestre de cada ano, as consultas haviam alcançado seu valor mais elevado em toda a série histórica do BNDES, iniciada em 1995, no trimestre encerrado em março de 2009, quer dizer, há quatorze anos. Naquele período, as consultas alcançaram nada menos do que R$ 130,555 bilhões, o que significa dizer que os números registrados no primeiro trimestre deste ano estavam ainda quase 70% mais baixos.

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Desmonte

O processo de desmantelamento do principal banco de fomento do País foi acelerado desde o governo Michel Temer, com o governo passando a exigir de volta os recursos injetados pelo Tesouro Nacional para reforçar a capacidade de empréstimo do banco nos anos anteriores. O banco passou a antecipar pagamentos ao Tesouro, devolvendo recursos em volume superior ao que previam os contratos firmados entre as duas partes para regular esse tipo de operação. Entre novembro de 2016 e março deste ano, o saldo dos créditos depositados pelo Tesouro no BNDES encolheu quase 87,0%, despencando de R$ 526,838 bilhões, algo como 8,45% do Produto Interno Bruto (PIB), para R$ 68,787 bilhões, perto de 0,68% do PIB. Ao longo de 76 meses, o banco de fomento devolveu ao Tesouro em torno de R$ 458,051 bilhões em valores não atualizados pela inflação. Para completar o desmonte, desde janeiro de 2018, uma decisão de governo tornou mais caros os financiamentos do BNDES ao substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), atualmente equivalente à variação do IPCA mais uma parcela fixa de 5,01% ao ano.

Balanço

  • Analisadas por setor de atividade, as consultas tiveram seu crescimento impulsionado neste ano sobretudo pelos projetos de infraestrutura, área em que os pedidos de crédito foram multiplicados por quatro entre o primeiro trimestre do ano passado e idêntico período deste ano. Em números atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), as consultas no setor saltaram de menos do que R$ 4,282 bilhões para pouco mais de R$ 17,733 bilhões, crescendo 314,2%. O acréscimo de R$ 13,451 bilhões nesta área respondeu por 55,0% do aumento experimentado pelo total das consultas em igual intervalo.
  • Em boa parte, o aumento veio na esteira de um crescimento de praticamente 14 vezes no total de consultas encaminhadas por empresas do setor elétrico, muito provavelmente associadas a projetos de geração solar fotovoltaica, que apresentou um boom nos últimos meses do ano passado, além de planos para instalação de plantas de energia eólica e de linhas de transmissão. As consultas no setor de energia elétrica dispararam de apenas R$ 542,155 milhões para quase R$ 8,086 bilhões (quer dizer, R$ 7,543 bilhões a mais).
  • Na sequência, ainda no setor de infraestrutura, as atividades auxiliares de transportes geraram consultas no valor de R$ 4,702 bilhões no primeiro trimestre deste ano, num aumento real de 743,9% diante de R$ 557,144 milhões nos mesmos três meses do ano passado. No segmento de outros transportes, a procura por crédito saiu de R$ 105,365 milhões para R$ 554,166 milhões, avançando 425,95%.
  • No setor de construção, ao contrário, as consultas murcharam radicalmente, embora a atividade tenha evidente importância para a ampliação de capacidade na indústria e ainda em projetos habitacionais. As consultas aqui, que já não eram tão elevadas assim, desabaram de R$ 279,757 milhões para apenas R$ 12,985 milhões, num tombo de 95,36%.
  • Sob liderança do segmento de materiais de transporte, a indústria elevou a busca por crédito no BNDES de R$ 3,691 bilhões em 2022 para R$ 10,584 bilhões, sempre nos três meses iniciais de cada ano. Isso correspondeu a uma variação de 186,74% ou, ainda, a um acréscimo de R$ 6,893 bilhões. Mas praticamente 93,7% desse incremento veio unicamente do setor de material de transporte, com as consultas nessa área subindo de R$ 1,124 bilhão para quase R$ 7,588 bilhões, em alta de 574,88% (ou R$ 6,463 bilhões a mais). Não deixa de ser surpreendente, de certa forma, quando se considera que a produção industrial acumulou retração de 1,7% no primeiro trimestre deste ano.
  • As consultas no segmento de serviços de utilidade pública, que envolvem saneamento, gestão e tratamento de resíduos, entre outras atividades, apresentam o crescimento mais expressivo, em termos proporcionais. Sempre em termos reais, as propostas de crédito no setor subiram de míseros R$ 44,740 milhões para praticamente R$ 1,999 bilhão, quer dizer, quase 45 vezes mais. A base de comparação muito reduzida favoreceu o salto. Ainda, os valores envolvidos nas consultas não parecem ter relevância suficiente para sustentar projetos mais ambiciosos num setor carente de investimentos.
  • As consultas no comércio e nos serviços, agrupados num mesmo setor pelo BNDES, caíram em praticamente um terço no período avaliado, saindo de R$ 4,916 bilhões para R$ 3,281 bilhões (redução de 33,26%).