Dados comprovam alarmismo contra despesas com servidores

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 20 de agosto de 2022

O alarmismo em torno da suposta (e falsa) escalada dos gastos com a folha de pessoal dos governos, fomentado pelo que há de mais conservador no pensamento econômico pátrio e por setores que nem mais têm se preocupado em camuflar seus reais interesses, cumpre o único propósito de levar adiante o projeto de desmonte do setor público. Trata-se de deturpar dados, escamotear a verdade para promover o enxugamento radical do Estado, abrindo espaço para negócios privados, na acepção mais negativa do substantivo.

Em nota técnica especialmente preparada para rebater argumentos do tipo, os economistas Gabriel Junqueira, auditor federal de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), e Rodrigo Orair, técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concluem que não há dados que confirmem a perspectiva de explosão das contas públicas em função da folha de pessoal do setor público. Ao contrário, esses gastos, aqui incluídos o setor público federal, governos estaduais e municipais, têm apresentado trajetória modesta e até bem-comportada em quase duas décadas, contrariando e desmentindo o alarmismo daqueles setores.

“Apesar de muito recorrentes no debate público, argumentos alarmistas de que o gasto com servidores ativos é muito alto, e de que sua trajetória coloca sob risco as finanças públicas e a realização de outras despesas relevantes para a prestação de serviços, carecem de estatísticas consistentes que os corroborem”, assinalam Junqueira e Orair. Na verdade, considerados a valores de 2020, atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística (IBGE), os gastos com o pagamento de salários e vencimentos dos servidores ativos têm registrado queda ou crescimento bastante moderado a partir de 2013.

Continua após a publicidade

Moderação

Na média anual, entre 2014 e 2016, a folha do pessoal ativo experimentou baixas de 0,9% no governo geral, com recuo de 0,6% no chamado governo central e baixa de 1,9% nos Estados. Nos municípios, essa despesa apresentou elevação de 0,1% na média de cada um daqueles anos. No período seguinte, entre 2016 e 2018, registrou-se variação anual média de 1,4% em todo o setor público, explicado pela alta de 2,3% no governo central e de 1,7% nos municípios, enquanto nos Estados o crescimento havia sido limitado a 0,6%. Na fase seguinte, entre 2018 e 2020, já em plena pandemia, a nota observa um recuo anual médio de 0,7% no geral e baixas mais expressivas no governo central (-2,3%) e dos Estados (-2,6%). Nos municípios, que precisaram contratar mais pessoal para enfrentar a pandemia, uma motivação mais do que justa, a despesa com pessoal ativo avançou 2,6%.

Balanço

  • “Ao utilizar série histórica consistente, com metodologia alinhada às melhores práticas internacionais, e indicador adequado à análise da evolução das despesas com pessoal ativo no governo geral, é possível constatar que os números não evidenciam o cenário alarmista”, sustentam Junqueira e Orair.
  • A elevação observada entre 2002 e 2020, prosseguem os economistas, “não foi inercial (quer dizer, não há um avanço constante e irreversível das despesas naquela área) e não apresentou sinais de descontrole que apresentem risco às finanças públicas”.
  • Da mesma forma, complementam ambos, diante da melhor estatística disponível, torna-se “difícil argumentar que constituíram restrição à execução de serviços públicos, pois os dados deixam claro que o maior crescimento real das despesas ocorreu na esfera local”, quer dizer, precisamente no setor que é o “principal responsável pela execução de serviços diretos à população, como educação e saúde básicas, por exemplo”.
  • Por isso, mesmo ponderam os autores da nota, “parece difícil imaginar que tais serviços possam ser prestados sem pessoal na quantidade adequada e com remuneração compatível com as responsabilidades”.
  • Em defesa da Proposta de Emenda Constitucional número 32, de 2020, com a qual os setores mais conversadores pretendem implantar uma reforma administrativa e um achatamento amplo dos salários dos servidores, argumenta-se, mais uma vez em tom alarmista e com base em dados distorcidos, quando não falsos, que o País teria que enfrentar “o desafio de evitar um duplo colapso: na prestação de serviços para a população e no orçamento público”.
  • O trabalho mostra que a folha do funcionalismo do governo geral registrou avanço de 0,96% do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo dos dezenove anos analisados, “o que, em hipótese alguma, caracteriza trajetória descontrolada ou explosiva, que apresente risco de colapso aos orçamentos públicos, ou que constitua forte constrangimento à realização de outros tipos de despesas”.
  • Nas prefeituras, o crescimento observado em 2020, “após quatro anos de estabilidade, indica efeito combinado da emergência sanitária da pandemia da Covid-19 sobre a demanda por profissionais de saúde com a queda do PIB”. Os municípios de fato elevaram as despesas com a folha ao longo de quase todo o período avaliado por Junqueira e Orair, num reflexo do aumento das contratações de servidores. Mas os salários continuaram inferiores à média registrada no setor privado. “Ou seja, há evidências de que o nível remuneratório do funcionalismo dos entes que responderam pelo aumento do agregado das despesas está longe de representar algo destoante da realidade brasileira”, anotam ambos.
  • Para Junqueira e Orair, “qualquer proposta de redução destes gastos deve estar pautada por discussões detalhadas acerca de quais funções do Estado e quais esferas de governo serão afetadas, e realizada com base em debate amplo e transparente com a sociedade”.
  • Em um último indicador, que permite aferir com maior precisão o impacto dos gastos com a folha sobre os resultados do setor público e sobre sua dívida, a dupla demonstra que a relação entre aquelas despesas e a receita corrente líquida no governo geral havia registrado avanço nada dramático entre 2002 e 2018, saindo de 27,0% para 29,3%, atingindo 30,7% em 2020. Neste último ano, registrou-se o efeito combinado de redução da receita líquida disponível no primeiro ano da pandemia e aumento das transferências para Estados e municípios para o combate ao novo coronavírus.