Desmonte do orçamento atinge meio ambiente e penaliza minorias

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de abril de 2022

O diagnóstico final do Institutode Estudos Socioeconômicos (Inesc)no recente trabalho “A conta do desmonte” é literalmente demolidor. O desmanche perpetrado pelas forças ultrareacionárias que passaram a dominar o Planalto Central atinge frontalmente as despesas direcionadas mais diretamente aos menos favorecidos e a minorias, desde mulheres, negros, índios até crianças e adolescentes, desmantelando setores estratégicos como saúde e educação (conforme detalhado neste espaço na edição do último dia 16), mas afetando igualmente atividades relacionadas à preservação ambiental.

Em sua avaliação final, afirma o Inesc: “O que se depreende da análise de três anos de governo Bolsonaro é um quadro devastador para a população brasileira. Pode se dizer que estão em curso quatro movimentos: o de desmonte do Estado e sua entrega para forças privatizantes ou fundamentalistas, o de eliminação física daquelas pessoas, comunidades e povos que não interessam ao projeto fascista e sua base política – empobrecidos, mulheres, negros, indígenas, quilombolas, jovens periféricos, jovens cumprindo medidas socioeducativas, entre outros – o de drenagem de recursos orçamentários para alimentar as eleições dos aliados e o de incompetência devido a equipes totalmente despreparadas para os cargos que ocupam”.

O desmonte das instituições públicas surge nitidamente no “sistemático desfinanciamento” de políticas públicas essenciais, principalmente para os menos favorecidos. O segundo ponto aparece estampado no que o Inesc qualifica como a “morte deliberada de corpos considerados indesejados”, uma realidade rotineiraseja nas periferias dos centros urbanos, seja em aldeias no meio da floresta. A drenagem eleitoreira dos recursos orçamentários está refletida, entre outros tantos desmandos, no tal “orçamento secreto”, mobilizado pelos políticos do Centrão para favorecer a eleição de seus comparsas, a um custo superior a uma dezena de bilhões de reais apenas no ano passado.

Continua após a publicidade

Ineficiência crônica

A incompetência de ministros e de suas equipes, aponta o Inesc, “não é deliberado, é consequência do toma-lá-dá-cá para acomodar forças de sustentação” do desgoverno instalado em Brasília. As manifestações de ineficiência crônica contaminam todas as áreas, da saúde – conforme demonstração cabal da CPI da Pandemia –, à educação e às políticas de defesa dos direitos humanos. Na área da cidadania, os ministros que por ali passaram “acabaram com a política de segurança alimentar e nutricional e, quando a fome bateu às portas do Brasil, não tinham mais instrumentos para enfrentá-la”. Na educação, ministros despreparados “comprometeram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e lançaram uma reforma do ensino médio amplamente criticada”. O ensino superior perdeu R$ 6,53 bilhões desde 2019, com seu orçamento caindo de R$ 42,62 bilhões em 2019 para R$ 36,09 bilhões no ano passado (15,3% a menos). A mesma incompetência desnudada na (má) gestão da pandemia.  O Inesc com a palavra novamente: “A incapacidade de gastar os recursos destinados a enfrentar a pandemia da Covid-19: sobraram R$ 129,6 bilhões em 2020 e R$ 27,7 bilhões em 2021, algo absurdo diante das terríveis consequências econômicas e sociais decorrentes da crise sanitária”.

Balanço

  • Olhando adiante, o Inesc vislumbra perspectivas nada animadoras: “As notícias para 2022 não são muito boas, porque os recursos alocados as políticas sociais e ambientais continuam sob o comando da austeridade fiscal, da aporofobia(aversão a pobres) e do projeto necropolítico do governo. É possível que Bolsonaro e seus aliados cedam à pressão das eleições e acabem liberando mais verbas para atender seus currais eleitorais”.
  • A dotação orçamentária para o setor de saúde neste ano sofreu corte de 27,4% em relação ao orçamento autorizado para 2021, despencando de R$ 205,86 bilhões para R$ 149,40 bilhões, numa redução de R$ 56,46 bilhões. Os valores, já atualizados com base na inflação, sequer acompanham o orçamento fixado para esta mesma área em 2019, antes da pandemia, quando as despesas autorizadas haviam somado R$ 151,79 bilhões.
  • O orçamento definido para a educação, na faixa de R$ 123,67 bilhões, por sua vez, embute uma redução de 12,6% frente a 2019, em termos reais, significando uma perda orçamentária de R$ 17,83 bilhões num país que terá de enfrentar enormes desafios para recuperar praticamente dois anos quase perdidos por crianças e adolescentes como mais uma das consequências da pandemia. O valor fixado para este ano chega a ser 4,8% mais baixo do que em 2021 – ano em que os ministros da área deixaram de gastar em torno de R$ 15,08 bilhões.
  • Entre 2019 e 2021, o setor de meio ambiente teve seu orçamento reduzido em R$ 1,15 bilhão, saindo de R$ 4,32 bilhões para R$ 3,17 bilhões, numa queda de 26,6%. Os recursos de fato gastos, incluindo despesas pagas dentro do mesmo exercício e restos a pagar igualmente pagos (referentes a despesas contratadas em exercícios anteriores), atingiram em 2021 o menor nível dos últimos três anos, limitando-se a R$ 2,50 bilhões, num tombo de 18,8% frente a 2019.
  • Na Fundação Nacional do Índio (Funai), o corte de recursos atingiu R$ 158,87 milhões, correspondendo a uma redução de 20,4% entre 2019, quando haviam sido destacados R$ 776,93 milhões para proteger as reservas e prestar serviços aos índios. Neste ano, a Funai terá R$ 618,06 milhões, o que não é garantia de que esse dinheiro será de fato gasto. No ano passado, perto de R$ 78,78 milhões deixaram de ser gastos.
  • A previsão de alocação de recursos federais para políticas e programas de apoio e defesa das mulheres caiu de R$ 71,95 milhões em 2019 para R$ 43,28 milhões neste ano, em baixa de quase 40% (ou menos R$ 28,67 milhões).
  • Os programas de assistência a crianças e adolescentes perderam quase metade de seus recursos entre 2019 e o ano passado, com o orçamento para o setor caindo de R$ 787,80 milhões para R$ 416,06 milhões (R$ 371,74 milhões a menos). Os valores efetivamente gastos despencaram 28,1%, de R$ 531,6 milhões para R$ 382,20 milhões, numa perda de R$ 149,4 milhões. O financiamento de sistemas socioeducativos para crianças e adolescentes sofreu corte radical, desabando de R$ 13,80 milhões para meros R$ 1,81 milhão (87% a menos).
  • O orçamento para reconhecimento e indenização a territórios quilombolas, na mesma linha, foi reduzido a qualquer coisa em torno de R$ 340 mil no ano passado, com tombo de 99% frente a 2020 (R$ 33,68 milhões) e de 91,7% em relação a 2019 (R$ 4,12 milhões).