Desoneração da folha não trouxe mais empregos e gerou gastos bilionários

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de novembro de 2023

A atoarda em torno do veto presidencial ao projeto que prorrogava a desoneração da folha de salários para 17 setores da economia mostra-se desproporcional nas críticas e comparações e descabida em sua essência mesmo. Abrigadas com destaque pelo jornalismo dito “profissional”, as reações despropositadas parecem refletir muito mais a posição de lobbies em favor da menor tributação previdenciária. O terrorismo em curso alega como pretexto pela manutenção da desoneração a necessidade de evitar demissões, perda de renda para as famílias e no consumo, o que tenderia a empurrar a economia para uma crise generalizada, num claro exagero destinado obviamente a produzir um clima favorável à derrubada do veto pelo Congresso.

A reação alimentada por setores da economia e da chamada grande imprensa não deixa de ter sua carga de ironia, especialmente quando se considera o “furor fiscalista” que tem predominado na mídia e em quase todo o mundo econômico neste momento. Como sobejamente sabido e divulgado, há em cena uma campanha para cortar gastos, enxugar políticas sociais e reduzir o tamanho do Estado exatamente para derrubar o rombo nas contas do governo, alimentado pela renúncia de receitas como resultado direto da desoneração.

Numa estimativa divulgada ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a política de desoneração das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, lançada em 2011, gerou uma perda de receitas equivalente a alguma coisa em torno de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) até o ano passado. Nessa estimativa, as perdas estariam muito próximas de R$ 149,0 bilhões, com uma previsão de uma renúncia ao redor de R$ 9,4 bilhões.

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Beneficiados

Aquela política permitia alterar a base de tributação, aplicando-se uma alíquota entre 1,0% a 4,5% sobre a receita bruta das empresas favorecidas, a depender de seu setor, em substituição aos 20% cobrados sobre a folha – alíquota que continuou vigorando para todo o restante das empresas.

Os setores beneficiados incluem confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.

Balanço

  • Os estudos disponíveis sugerem que o impacto da desoneração sobre a criação de empregos foi praticamente nulo em praticamente todos os setores alcançados pela política. Num trabalho preparado pelo economista Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em agosto deste ano no Boletim Radar, do mesmo Ipea, os dados mostram que os setores desonerados nem estão entre aqueles “que mais empregam”, como tem insistido certa corrente de empresários e suas associações, e nem geraram mais empregos ao longo da década encerrada em 2022.
  • Com base em micro dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que permite avaliar o mercado de trabalho de forma mais ampla, Hecksher mostra que, “na fotografia de 2022, os setores desonerados não se destacam”. Nenhum deles esteve entre os sete maiores empregadores, responsáveis por 52,4% das ocupações no ano passado. A relação inclui “comércio, exceto de veículos automotores e motocicletas (15,9 milhões); agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados (7,9 milhões); educação (6,6 milhões); serviços domésticos (5,8 milhões); administração pública, defesa e seguridade social (5,1 milhões); atividades de atenção à saúde humana (5,1 milhões); e alimentação (4,9 milhões)”.
  • No caso da agricultura, embora esteja na lista dos maiores, somente 4,0% (em torno de 316,0 mil) estão ocupados nos segmentos de criação de aves e suínos, considerando que “a rigor, a desoneração só se aplica à produção de carnes desses animais, classificada na indústria de alimentos”.
  • Entre 87 setores classificados pela pesquisa, 47 abriram mais vagas do que fecharam entre 2012 e 2022, somando 13,0 milhões de ocupações adicionais – o que significa dizer que os demais 40 setores demitiram 4,6 milhões de trabalhadores. Apenas quatro setores foram responsáveis por 52,3% daquelas 13,0 milhões de vagas criadas na década, a saber, atividades de atenção à saúde humana (+2,0 milhões); comércio, exceto de veículos automotores e motocicletas (+1,8 milhão); alimentação (+1,5 milhão); e educação (+1,5 milhão), somando 6,8 milhões de ocupações novas.
  • Entre os 40 setores que demitiram mais do que contrataram, três deles afastaram praticamente 2,5 milhões de trabalhadores, equivalentes a perto de 54,0% dos empregos perdidos: agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados (-1,4 milhão); administração pública, defesa e seguridade social (-691 mil); e serviços especializados para construção (-364 mil).
  • Como resultado, o conjunto dos setores favorecidos pela desoneração reduziu sua participação no pessoal total ocupado de 20,1% em 2012 para 18,9% no ano passado, enquanto a fatia de trabalhadores que contribuem para a Previdência, na mesma amostragem, foi reduzida de 17,9% para 16,2%. O estímulo à formalização, um dos objetivos da política de desoneração, igualmente não se comprovou, já que a participação dos empregados com carteira no total de ocupados naqueles setores caiu de 22,4% para 19,7%.
  • “Enquanto os outros setores ampliaram seus contribuintes em 14,5% (+6,7 milhões), os desonerados diminuíram em 0,2% (-18 mil). Enquanto empresas privadas de outros setores expandiram em 6,3% seus empregos com carteira (+1,7 milhão), as desoneradas encolheram os seus em 13,0% (-960 mil)”, registra Hecksher.