Distorções na armazenagem encarecem custos dos grãos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 13 de fevereiro de 2024

No ano passado, considerando sua capacidade estática total, a rede de armazenagem instalada no País conseguiu acomodar pouco menos de dois terços da safra total de grãos, na menor relação histórica entre disponibilidade de armazéns e produção, descreve Maria Fernanda Hijjar, sócia executiva do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). O Brasil colheu em torno de 319,82 milhões de toneladas de grãos para uma capacidade de armazenamento ao redor de 201,41 milhões de toneladas ao final de 2023, representando 62,98% do total produzido, segundo a série estatística da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), percentual que havia encerrado 2010 próximo a 92,80%.

“A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que um país deve ter a capacidade de armazenar pelo menos 1,2 vezes mais do que produz”, aponta Sergio Mendes, diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Nessa proporção, prossegue ele, “a agricultura brasileira teria que dispor de capacidade para armazenar 384,0 milhões de toneladas”, pouco mais de 90,0% acima do espaço disponível na rede brasileira de armazéns e silos. Os dados referentes aos últimos 13 anos, retoma Maria Fernanda, mostram um claro descolamento entre o aumento da safra e a evolução dos investimentos em armazenagem, causando problemas em cadeia para a agricultura brasileira.

No ciclo agrícola de 2009/10, aponta Elisângela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a produção chegou a superar a capacidade instalada em praticamente 10,8 milhões de toneladas, diferença ampliada neste ano em quase 11 vezes, para 118,4 milhões de toneladas. Nas contas de Thiago dos Santos, diretor de operações e abastecimento da Conab, enquanto a produção evoluiu a uma taxa média anual de 5,60% entre 2010 e 2023, acumulando um salto de 114,3%, a capacidade estática de estocagem de granéis variou 2,71% ao ano, fechando o período numa elevação ao redor de 45,5%.

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Entre outros impactos negativos, aponta Pedro Estevão, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a falta de armazéns “onera o custo do transporte desde o agricultor até os portos”, ao sobrecarregar toda a logística de escoamento. O agricultor “é obrigado a vender seu produto logo após a colheita, por falta de local de armazenagem, num expediente sempre pernicioso”, já que a venda ocorre em um momento de baixa nos preços em função da oferta elevada. “Neste ano, tivemos na exportação prêmios negativos em relação a Chicago em decorrência deste acúmulo de oferta em tão pouco tempo”, constata Estevão.

Balanço

  • O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) contrapõe, no entanto, que a estrutura logística do País, contemplando corredores de exportação, rodovias, ferrovias, hidrovias, estações de transbordo e portos, “tem tido uma dinâmica muito acentuada, conferindo celeridade ao escoamento da produção, compensando quaisquer defasagens na capacidade de armazenagem e dando ao produtor a garantia de negociar seus produtos com relativa tranquilidade”. A capacidade estática deve corresponder a 65% a 70% da produção, a fim de evitar, na visão do ministério, a realização de investimentos excessivos, que produzam ociosidade no setor, levando-se em conta ainda “a capacidade dinâmica, correspondente aos giros de estoque dos armazéns”.
  • Para acompanhar o crescimento da agricultura, calcula Paulo Bertolini, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), seria preciso investir em torno de R$ 15,0 bilhões em novos armazéns anualmente. Nos números da Conab, de acordo com Santos, o investimento necessário estaria variando em torno de R$ 14,0 bilhões ao ano até 2028, somando um total de R$ 70,0 bilhões para recepcionar 46,7 milhões de toneladas ao final de cinco anos, em torno de 23,3% acima do nível atual, mantendo em 65% a relação entre capacidade estática e produção de grãos.
  • A indústria do setor, prossegue Bertolini, tende a encerrar 2023 com queda em receitas muito próxima de 20%, seguindo o ritmo antecipado para toda a indústria de máquinas e implementos agrícolas. Segundo ele, “o setor se modernizou diante da perspectiva de crescimento da agricultura e atualmente convive com ociosidade média de 35% no turno vigente, embora exporte silos para mais de 40 países”.
  • De acordo com o Mapa, o orçamento de R$ 6,739 bilhões definido para o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) no ano agrícola 2023/24, quase 35,0% mais do que na safra passada, “tem capacidade de alavancar a armazenagem em quase 10,0 milhões de toneladas de capacidade estática, o que é suficiente para acompanhar o crescimento médio da produção”.
  • A execução do PCA, no entanto, tem se mostrado problemática. Entre os ciclos 2016/17 e 2022/23, nos dados do Banco Central (BC), o governo programou R$ 17,442 bilhões para o programa, dos quais 73,0% ou R$ 12,720 bilhões foram de fato contratados. O ministério adianta que o governo federal trabalha no desenho de um novo Plano Nacional de Armazenagem, que deverá prever “recursos mais robustos, com juros equalizados e prazos mais longos para amortização dos financiamentos”.
  • Numa pesquisa com 1.065 produtores, a CNA identificou entre as principais queixas, conforme Elisângela, o alto custo de construção de estruturas de armazenagem, dificuldade de acesso ao crédito, custos elevados de operação dos armazéns já instalados e falta de pessoal qualificado para fazer a gestão dos sistemas. “Dentro da fazenda, o produtor acaba optando por investir em equipamentos que tragam ganhos de produtividade”, observa ela.
  • O levantamento indica ainda que 61,0% das fazendas não possuem armazéns. Mas 19,8% têm silo convencional ou graneleiro, outros 9,2% instalaram estruturas permanentes ou dispõem de silos bolsa e 9,9% declaram ter apenas silos bolsa. “Entre as propriedades com armazéns”, pontua Elisângela, “51,1% indicou ganhos econômicos acima de 6,0% com uso daquele equipamento na fazenda”. Ainda assim, até o ano passado, apenas 16,43% da capacidade total de armazenamento de grãos estavam em propriedades rurais, somando em torno de 33,095 milhões de toneladas. Nos Estados Unidos, lembra a assessora da CNA, os armazéns estão em quase 54% das fazendas, o que assegura aos produtores maior flexibilidade para negociar sua produção e a possibilidade de assegurar melhores preços.