E tudo por causa de 14 pontos percentuais depois da vírgula…

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de maio de 2024

Nas últimas décadas, têm proliferado no País uma certa categoria de analistas e comentaristas econômicos, abrigados e replicados acriticamente, melhor dizendo, propositadamente, pela grande mídia corporativa. Uma espécie que se dedica a cultivar catastrofismos especialmente quando as decisões e medidas de política econômica não seguem ou desviam-se, ainda que minimamente, do figurino definido pelos mercados. Essa categoria, assim como os órgãos da chamada grande imprensa que compartilham a mesma cartilha, tem prestado um desserviço à opinião pública, desinformando leitores em sua cruzada para desmoralizar todos os que se opõem à corrente dominante nos meios econômicos.

Já no início da noite de ontem, logo após a divulgação da ata da reunião mais recente do Comitê de Política Monetária (Copom), ardilosamente conduzida por Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), circulava pelas redes sociais material produzido por um analista abrigado em um manjado blog, argumentando que o texto da ata teria sido produzido de afogadilho para tentar “esconder” a ausência de compromisso de diretores indicados pelo governo atual, devidamente rotulados como “petistas”, no enfrentamento da inflação, já que defenderam a manutenção da estratégia já antecipada pelo BC, o que significaria aplicar mais um corte de meio ponto percentual aos juros básicos.

Juros mais baixos agora, argumenta o colunista, significariam preços em alta ou mais inflação à frente, levando os mercados a elevarem os juros futuros (quer dizer, a taxa esperada para os próximos anos), culminando num encarecimento maior do crédito. A coleção de argumentos acaba desmoronando ao final, como anotado pelo próprio autor, ao reconhecer que os juros futuros passaram a cair após a divulgação da ata – o que significa dizer que até mesmo os mercados teriam recebido positivamente a transcrição das discussões que animaram o convescote do Copom, realizado nos dias 7 e 8 deste mês.

Continua após a publicidade

Visão pessimista

Em grandes linhas, o Copom justifica sua “cautela” (termo repetido nove vezes ao longo do texto), ao frear o ritmo de queda dos juros, limitada agora a 0,25 pontos percentuais, a uma incerteza maior no mundo, diante a “piora no cenário externo”; às mudanças na política fiscal (adiando a meta de déficit zero); a um “elevado dinamismo” no mercado de trabalho, diante do crescimento do emprego e da queda do desemprego, o que tenderia a causar aumentos de salários e de preços; e a um aumento nas projeções para a inflação no “horizonte relevante” para a política monetária (quer dizer, até 2025). Como “evidência” adicional, a ata menciona pressões sobre a inflação de serviços intensivos em trabalho. Os diretores do BC e seus assessores devem ter acesso a dados mais apurados e completos, assim se supõe, mas a análise dos indicadores disponíveis até momento não parece sugerir riscos mais dramáticos para a inflação, mesmo diante da catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul, em larga medida relacionada às mudanças no clima, mas também à incúria e à ganância das elites.

Balanço

  • A ata menciona, por exemplo, o aumento das projeções para a inflação entre a reunião de março, realizada nos dias 19 e 20 daquele mês, e a edição mais recente do encontro do Copom, concluído no dia 8 passado. O relatório Focus, produzido semanalmente pelo BC, em consulta aos mercados, mostrava que o setor financeiro esperava inflação de 3,79% para 2024 e de 3,52% para 2024, mantendo as previsões para 2026 e 2027 em 3,50%. Essas previsões constavam do relatório divulgado em 19 de março, exatamente quando se iniciou a reunião anterior do comitê.
  • O boletim mais recente mostra que o setor financeiro havia reduzido discretamente a previsão para a taxa inflacionária deste ano, que passou a girar em torno de 3,76% (lembrando que a política de metas inflacionárias contempla um piso de 1,5% para a inflação deste ano e um teto de 4,5%, fixando em 3,0% o centro a ser perseguido). Mas a projeção para 2025 foi elevada “drasticamente” (contém ironia) para 3,66% – quer dizer, apenas 0,14 pontos percentuais acima da expectativa anterior.
  • No 12º parágrafo, o Copom anota: “O comitê avaliou que os dados referentes à inflação corrente se mostraram benignos, tanto na inflação cheia quanto nos núcleos de inflação. Após uma sequência de surpresas altistas, notou-se arrefecimento dos núcleos de inflação, embora em níveis acima da meta”.
  • Na sequência, acrescenta que “alguns membros (do Copom) mostraram maior preocupação com a inflação de alimentos no curto prazo, enquanto outros seguiram enfatizando o papel da inflação de serviços”. Para completar: “a tragédia no Rio Grande do Sul, além dos seus impactos humanitários, também terá desdobramentos econômicos e o comitê seguirá acompanhando”.
  • Considerada de forma consolidada, a inflação mensal no setor de serviços, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia baixado para apenas 0,10% em março e caiu à metade em abril, para 0,05%.
  • O volume de serviços em março, ainda conforme o IBGE, avançou modestamente na comparação com fevereiro, variando 0,4% depois de recuar 0,9% um mês antes. Na comparação com março do ano passado, houve queda de 2,3%, com a variação acumulada no primeiro trimestre limitada a 1,2%. Desde dezembro do ano passado, a atividade no setor anotou baixa de 1,5%. A taxa acumulada em 12 meses recuou de 2,2% até fevereiro para 1,4% até março.
  • Em Goiás, na comparação com o mês imediatamente, o setor de serviços registrou a oitava taxa mensal negativa em sequência, acumulando uma retração de 11,8% desde julho do ano passado. Na saída de fevereiro para março, a pesquisa do IBGE anotou baixa de 0,2%. Em relação a março do ano passado, o volume de serviços caiu 6,3% na primeira queda em 37 meses. O primeiro trimestre fechou em baixa de 1,9%, o que reduziu a variação acumulada em 12 meses de 6,2% até janeiro para 4,2% até março.