Excesso de demanda? Preços no atacado anotam queda histórica

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de maio de 2023

Vão se avolumando os sinais de que o Banco Central (BC) decidiu errar propositadamente na condução da política de juros, passando a desprezar dados concretos em benefício de uma ideologia tacanha e ultrapassada. O grande problema é que essa política tem causado e vai continuar causando prejuízos enormes para toda a economia, sacrificando empregos e o crescimento, derrubando investimentos e minando as possibilidades de uma retomada de fôlego mais longo.

O BC e seu Comitê de Política Monetária (Copom) persistem na manutenção de juros extorsivos sob o argumento, totalmente desligado da realidade, de que a demanda tem caminhado acima da capacidade de a economia produzir bens e mercadorias, o que estaria gerando uma espiral de alta dos preços e sustentado taxas de inflação acima das metas inflacionárias perseguidas pela autoridade monetária. O diagnóstico mostra-se equivocado quando contraposto aos dados da realidade objetiva.

E o que mostram os dados? O sinal mais nítido a contrariar a visão distorcida do BC veio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que recentemente divulgou os dados de maio do Índice Geral de Preços-10 (IGP-10), refletindo a variação dos preços entre 11 de abril e 10 de maio em relação aos 30 dias imediatamente anteriores. O índice, como se sabe, é composto pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60% no cálculo do IGP, pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que responde por 30% na formação do índice geral, e finalmente pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com participação de 10%.

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Na quadrissemana finalizada em 10 de maio, o IGP-10 ficou negativo em 1,53%, acumulando redução de 3,49% em 12 meses.

O comentário do economista André Braz, coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), não poderia ser mais claro. “Nesta apuração, o IGP-10 registrou a maior deflação entre as taxas mensais e interanuais, desde setembro de 1993, quando iniciou a sua série histórica. O aprofundamento da deflação do IPA foi impulsionado pelo comportamento dos preços do minério de ferro (saindo de 0,58% em abril para -11,50%), da soja (de -7,63% para -10,41%) e do milho (de -2,61% para -12,48%)”, afirma.

Baixa recorde em 78 anos

A deflação dos preços de insumos, matérias-primas e bens intermediários já seria mais do que suficiente para desmontar a tese segundo a qual a economia estaria diante de um processo inflacionário causado pela demanda excessiva. Mesmo porque, medidos mês a mês, ainda no atacado, os preços registraram variação negativa ao longo de 10 dos últimos 13 meses. A virada de sinal na taxa acumulada em 12 meses é avassaladora, antecipando uma tendência de forte desaceleração da inflação ao consumidor mais adiante, quando não de deflação mesmo, ao se considerar o nível atual da atividade na economia. Em junho de 2021, o IPA-10 girava na casa de 49,03% em 12 meses, índice reduzido para 12,66% em maio de 2022. O sinal virou a partir de março deste ano, quando a taxa em 12 meses passou a ser negativa em 0,52%. A queda ampliou-se para 4,17% em abril, fechando os 12 meses até 10 de maio deste ano em -6,25%. O IPA medido nos 30 dias do mês, componente do Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), havia sofrido baixa de 5,19% nos 12 meses terminados em abril deste ano, simplesmente a maior queda desde que o IGP passou a ser calculado, em 1945, conforme anotam os economistas Ricardo Barboza e Bráulio Borges, em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico (25/05/2023).

Balanço

  • Pesquisadores associados do Ibre/FGV, Barboza e Borges contestam com dados e argumentos a teoria do “excesso de demanda” e demonstram que o País experimenta, desde o terceiro trimestre de 2015, crescimento abaixo de seu potencial segundo estimativas do próprio BC. Objetivamente, são 31 trimestres em sequência de baixo crescimento.
  • Segundo eles, “um excesso de demanda agregada geralmente se verifica por meio do chamado hiato do produto – dado pela distância entre o PIB efetivo e o PIB potencial – que leva em conta o grau de ociosidade dos principais fatores de produção, capital e trabalho”. Trata-se de um conceito polêmico, já que o “hiato do produto” é aferido indiretamente, mas que é utilizado de forma recorrente por correntes de economistas mais ortodoxos.
  • Barboza e Borges lembram que o BC chega a reconhecer, nas cartas abertas que é obrigado a editar para se explicar ao País sempre que a meta de inflação é descumprida, como ocorreu em 2021 e em 2022, que o “hiato de produto gerou uma contribuição negativa para a alta do IPCA” (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) naqueles dois anos. Mais ainda: “O BC e o consenso de mercado projetam um hiato ‘abrindo’ neste ano (leia-se, ficando ainda mais negativo)”, acrescentam ambos.
  • No diagnóstico da dupla, as causas da inflação brasileira estão associadas a choques de oferta, que começam a se dissipar, como mostra a deflação acumulada pelos preços no atacado. A lenta desaceleração da inflação ao consumidor, portanto, estaria relacionada à intensidade daqueles choques. Como analisam Barboza e Borges, “num contexto em que a economia brasileira foi eletrocutada por choques desfavoráveis sucessivos e expressivos em 2021 e 2022 (gargalos em cadeias globais de valor, forte alta nos preços dos fretes internacionais, choques climáticos adversos no Brasil e na Argentina e a guerra entre Rússia e Ucrânia), é natural que o desvio seja mais alto e demore mais tempo para passar”.
  • Nos casos de inflação gerada por excesso de demanda, o receituário dos bancos centrais ao redor do mundo recomenda a elevação dos juros como remédio. Mas “quando a inflação é afetada em boa medida por choques de oferta desfavoráveis, os BCs devem focar em combater seus efeitos secundários, com a magnitude do aumento do juro dependendo de quanto o Banco Central dá peso, em sua tomada de decisão, para a atividade econômica”.
  • Por mais impressionante que possa parecer, em seus modelos, o peso atribuído pelo BC à atividade econômica é zero, apontam Barboza e Bráulio, o que contraria o duplo mandato conferido à autoridade monetária pela Lei Complementar 179/2021, que assegurou sua autonomia, ao mesmo tempo em que definiu sua missão de “suavizar as flutuações do nível de atividade e fomentar o pleno emprego”.
  • “Se em outros países, como nos EUA, parece claro que a inflação pressionada reflete tanto choques de oferta desfavoráveis como uma economia superaquecida, esse não parece ser o caso do Brasil”, arrematam Barboza e Braúlio.