Foram os juros? Negativo. Inflação recua com alta menor de combustíveis e energia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de dezembro de 2021

Como já esperado, a taxa de inflação ensaia alguma desaceleração neste final de ano, apresentando resultados levemente inferiores aos projetados pelos mercados. O desaquecimento, no entanto, não tem qualquer relação com a escalada das taxas básicas de juros, que têm subido desde março a pretexto exatamente de conter o ritmo de aumento nos preços e derrubar a inflação às custas de um agravamento da crise na economia – o que significa dizer mais desemprego e um número crescente de famílias jogadas na miséria, maior desequilíbrio nas contas públicas e elevação da dívida dos governos por conta das despesas crescentes com juros.

Medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada entre as duas semanas finais de novembro e as duas iniciais deste mês atingiu 0,78%. Não muito diferente das apostas mais frequentes no setor financeiro, que variavam entre 0,81% e 0,82%. Nas quatro semanas de novembro, conforme o IPCA daquele mês, os preços em toda a economia haviam registrado variação média de 0,95%, indicando uma desaceleração de 0,17 ponto de porcentagem nas duas semanas seguintes.

O Índice de Preços ao Consumidor Semanal,calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), aponta tendência na mesma direção. A inflação acumulada em 30 dias havia sofrido elevação de 1,08% para 1,18% entre o final de novembro e a primeira semana de dezembro e vem desacelerando desde então, para 1,07% nas quatro semanas terminadas no dia 15 e, no dado mais recente, para 0,83% nos 30 dias encerrados em 22 de dezembro. Embora IPCA e IPC-S adotem metodologias e amostragem diferentes, a tendência esboçada pelo segundo indicador parece sugerir que a inflação estaria mantendo a tendência de variações menores de preços no decorrer de dezembro.

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O relatório Focus do Banco Central (BC), que monitora as previsões do setor financeiro para a inflação, dólar, juros básicos e outros indicadores, mostrou, em sua edição mais recente, finalizado na sexta-feira da semana passada, dia 17, e divulgado na segunda-feira desta semana, uma estimativa de 0,71% para o IPCA de dezembro. As apostas mais recentes do setor consideram taxas mais próximas de 0,64%, já contemplando a perda de ímpeto no ritmo dos aumentos de preços.

Efeito estatístico

A desaceleração, no entanto, tem origem principalmente na relativa contenção dos aumentos dos combustíveis e da energia, incluindo o botijão de gás, até porque esses preços já acumulavam altas excessivas ao longo do ano, o que ajudou a corroer sensivelmente o valor real dos salários, comprometendo a capacidade de consumo das famílias. Isso não significa que aqueles preços ficaram mais baixos. Ao contrário. Gasolina, etanol, diesel, botijão de gás e energia elétrica continuavam subindo, mas a intensidade desses aumentos já não era tão acentuada como antes – o que era esperado, no caso da energia, porque a chegada das chuvas amenizou as pressões sobre os reservatórios das hidroelétricas, mas ainda não a ponto de o governo começar a revisar as tais bandeiras tarifárias. Mais claramente, os aumentos já haviam ocorrido lá atrás e os aumentos ainda em curso refletem quase integralmente uma questão estatística.

Balanço

  • Para entender esse movimento, observe, rara leitora e raro leitor, um exemplo meramente hipotético. Suponha que a inflação seja medida com base no comportamento do preço de um único produto e que esse produto tenha subido de 100 no final de um mês para 105 na primeira semana do mês seguinte, daí para 110, atingindo 120 na última semana do mês seguinte. Na comparação entre as semanas finais daqueles dois meses, a variação foi de 20%. Mas o preço médio observado no segundo mês (105+110+120 dividido por três, o eu daria 111,7 em valor arredondado) ficou 11,7% mais alto.
  • Suponha que o preço não suba mais ao longo das quatro semanas seguintes, mantendo-se em 120. Neste caso, ainda que não tenha ocorrido qualquer aumento de fato, a “inflação” teria recuado para algo em torno de 7,5%. Guardadas as proporções e as diferenças do que de fato ocorre no mundo real, o processo se aproxima do que tem ocorrido com as tarifas de energia. Caso não ocorram novos reajustes, daqui em diante, a energia tende a influenciar de forma positiva as taxas de inflação no começo do ano.
  • Algo semelhante poderia ocorrer com os preços dos combustíveis, mas o cenário aqui é mais complicado em função do comportamento do petróleo no mercado internacional e ainda por conta da política de preços adotada pela Petrobrás, totalmente alinhada às oscilações do barril de petróleo no exterior. Neste mês, por exemplo, os preços do barril acumulavam altas entre 11,4% e 8,4% até sexta-feira, dia 23, comparados ao final de novembro (embora as cotações continuassem abaixo dos níveis registrados em outubro, o que deverá ainda segurar os preços domésticos).
  • Considerados em bloco, os preços da gasolina, etanol, diesel, botijão de gás e energia elétrica saíram de uma variação de 0,67% em novembro para 0,30% nas quatro semanas encerradas em 15 de dezembro. Os demais preços, excluídas as passagens aéreas, que apresentam oscilações mais nervosas, para cima e para baixo, subiram de 0,32% para 0,41%. Os preços das passagens haviam sofrido baixa de 6,12% em novembro e subiram 10,07% agora, conforme o IPCA-15 de dezembro.
  • Para reforçar, o reajuste menor dos preços de combustíveis, energia e gás foi responsável por toda a desaceleração ocorrida no período quando considerado o IPCA. Algo semelhante pode ser observado no comportamento dos grupos de despesas que compõem o IPC-S. Os alimentos contribuíram com certa desaceleração, com a taxa de variação dos preços médios saindo de 0,65% na primeira semana de dezembro para 0,59% na terceira semana do mês. A contribuição mais relevante veio do setor de transportes, que havia anotado alta de 2,92% no começo do mês e passou a subir 1,08% (ou pouco mais de um terço da variação ocorrida duas semanas antes – lembrando mais uma vez que as taxas dizem respeito a variações dos preços médios coletados ao longo de quatro semanas e comparados com as quatro semanas imediatamente anteriores).