Impulsionado por benefícios sociais, consumo das famílias “salva” PIB

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de dezembro de 2023

O consumo das famílias evitou literalmente que a economia encolhesse no terceiro trimestre deste ano, mas não teve forças para que a atividade produtiva engrenasse algum crescimento no período. Como mostra a série estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) havia avançado 1,4% no primeiro trimestre deste ano, com a contribuição da agropecuária, que saltou 12,5%, mas avançou 1,0% no trimestre seguinte, sempre em relação aos trimestres imediatamente anteriores. No terceiro trimestre, o crescimento foi virtualmente nulo, numa variação de apenas 0,1%.

“Corroborando sinais antecedentes que vinham se acumulando, a economia brasileira perdeu muito dinamismo na entrada da segunda metade do ano. Ainda assim, não chegou a registrar sinal negativo, como alguns analistas esperavam. É um caso de copo meio cheio, meio vazio”, comenta o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

O desempenho do consumo das famílias e a contribuição relativamente positiva do setor externo, por conta da retração das importações, compensaram as quedas registradas para o consumo dos governos e, principalmente, para o investimento total, que continua ladeira abaixo, consolidando um cenário de baixo crescimento acompanhado pelo franco desestímulo às decisões de investir no setor privado – nítida consequência das taxas de juros ainda estratosféricas em vigor no País e da incerteza em relação ao desempenho futuro da atividade econômica.

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Reafirmando o diagnóstico, na visão do Iedi, “o consumo das famílias foi importante para evitar que o PIB resvalasse para o terreno negativo”. Ainda na série ajustada sazonalmente, com exclusão de fatores que ocorrem em períodos determinados todos os anos, o consumo das famílias havia crescido 1,0% no primeiro trimestre, em relação ao quarto trimestre do ano passado, avançando 0,9% no segundo trimestre e 1,1% no terceiro trimestre.

Transferências de renda

Na comparação com iguais trimestres do ano passado, o consumo das famílias havia registrado algum desaquecimento na saída do primeiro para o segundo trimestre, com a taxa trimestral de crescimento saindo de 3,9% para 3,1%. O ritmo de avanço voltou a anotar certa aceleração no terceiro trimestre, quando cresceu 3,3% diante do mesmo período do ano passado, acumulando elevação de 3,4% nos três primeiros trimestres deste ano diante de idêntico intervalo de 2022. Conforme o IBGE, o indicador foi favorecido pela melhoria relativa do mercado de trabalho, com elevação do emprego e baixa no desemprego, aumento da massa total de rendimentos reais, aumento no crédito para pessoas físicas e por políticas de transferência de renda para as famílias, sobretudo diante do salto nos recursos desembolsados pelo Bolsa Família.

Balanço

  • A renda nacional bruta disponível das famílias, conceito trabalhado pelo Banco Central (BC), captura a influência dos benefícios sociais e previdenciários sobre os ganhos familiares. O cálculo do BC contempla salários recebidos pelos trabalhadores, rendas geradas pelo aluguel de imóveis, juros e rendimentos líquidos de aplicações financeiras e outras formas de investimento, dividendos e lucros distribuídos pelas empresas, aposentadorias, pensões, abono e seguro desemprego, benefícios de prestação continuada, Bolsa Família e outros benefícios de assistência social. Esses valores são descontados de impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio das famílias (a exemplo do IPTU), contribuições pagas à Previdência e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outras transferências de renda das famílias para outras instituições e para o exterior.
  • Enquanto os valores médios registrados pela massa de rendimentos reais do trabalho experimentaram elevação de 8,8% na comparação entre os quatro trimestres encerrados em setembro deste ano e idêntico período finalizado em setembro do ano passado, a renda nacional bruta disponível cresceu na média 12,8%. A diferença esteve no incremento vigoroso experimentado pelas políticas públicas de transferência de renda.
  • A valores de outubro deste ano, entre benefícios previdenciários, abono salarial e seguro desemprego, renda mensal vitalícia, assistência social e Bolsa Família, as despesas do governo central atingiram R$ 937,228 bilhões no acumulado entre janeiro e setembro, crescendo 11,6% em termos reais frente os nove primeiros meses do ano passado, quando aqueles gastos haviam alcançado R$ 839,914 bilhões. A variação entre os dois períodos traduziu-se numa renda adicional de R$ 97,314 bilhões para as famílias mais pobres, integralmente destinada ao consumo, como sugerem estudos e pesquisas sobre o tema.
  • O consumo familiar recebeu ainda o reforço de um aumento nominal, sem considerar a inflação, de 8,90% aplicado no começo do ano sobre o salário mínimo, elevado para R$ 1.320 a partir de 1º de maio deste ano. Em agosto, o governo sancionou projeto que tornou lei a política de valorização real do salário mínimo, faixa de rendimento favorecida ainda pela isenção do Imposto de Renda a partir deste ano.
  • Na contramão, a política continuada de juro altos, embora “menos altos” nos meses mais recentes, tem imposto constrangimentos aos gastos familiares, já que os níveis de endividamento continuam elevados neste setor, correspondendo a 47,7% da renda bruta disponível em setembro deste ano, em torno de 1,8 pontos percentuais abaixo dos 49,5% anotados no mesmo mês do ano passado, nos dados do BC. As famílias passaram a comprometer 27,4% de sua renda com o pagamento de juros e amortizações sobre suas dívidas, não muito distante dos 27,8% alcançados em setembro do ano passado e próximos dos níveis históricos observados em junho deste ano (28,4%).
  • As taxas de juros muito acima dos níveis internacionais, com o Brasil mantendo a liderança planetária nesta área, estão entre os principais fatores a explicar a queda continuada dos investimentos, reduzidos, no terceiro trimestre, a 16,6% do PIB, equivalente aos níveis observados no terceiro trimestre de 2020 (16,4%), ainda em plena pandemia. Os investimentos recuaram 2,5% em relação ao segundo trimestre deste ano e despencaram 6,8% no terceiro trimestre deste ano frente a igual período de 2022, refletindo a “queda na produção interna de bens de capital, decréscimo na construção e redução na importação de bens de capital”, segundo o IBGE.