“Invasão” de informais sustenta alta no emprego, mas achata rendimento médio

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de outubro de 2021

Quem circula pelas ruas diariamente já percebeu, com maior intensidade nas últimas semanas, uma verdadeira “invasão” de camelôs, ambulantes, informais em geral tentando ganhar a vida e sobreviver à crise econômica e ao novo coronavírus, na mesma medida em que as medidas de restrição à circulação de pessoas têm sido aliviadas em todos os Estados com o avanço da vacinação. Essa “enchente”, acompanhada de um crescimento mais vigoroso das ocupações de baixa qualificação, tem sustentado o avanço recente do emprego e explica, ao mesmo tempo e ao menos parcialmente, o achatamento em termos reais (quer dizer, descontada a inflação) no rendimento médio recebido pelos trabalhadores.

A perda de renda está igualmente relacionada ao surto inflacionário observado ao longo de 2021 e observado, na verdade, desde setembro do ano passado, diante da alta nos custos dos alimentos, numa primeira fase, e depois pelos aumentos nos preços dos combustíveis, do botijão de gás e da energia elétrica. A capacidade aparentemente inesgotável do desgoverno em Brasília para produzir turbulências em série, gerando incertezas na política e na economia, não tem contribuído para desanuviar o cenário.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada ontem, mostra que a reação das ocupações, festejada com a desfaçatez de sempre pelo ministro dos mercados, deriva de uma deterioração adicional nas condições de emprego enfrentadas pelos trabalhadores em geral. Pouco mais de dois terços dos empregos criados entre o trimestre terminado em abril deste ano e os três meses seguintes e quase 80% das ocupações abertas desde o trimestre maio-julho do ano passado foram tomadas por informais. Trabalhadores sem direitos a férias, 13º salário, Previdência, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), num contingente formado por pessoas que trabalham sem carteira, sem registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou que se dedicam a prestar serviços não remunerados a suas respectivas famílias.

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O histórico da crise

Às raras leitoras e aos raros leitores que acompanham a coluna, não passará despercebido o fato de que o cenário continua basicamente o mesmo apontado em edições anteriores e mais recentes da pesquisa. Sim, precisamente. Pouco mudou no mercado de trabalho que justifique a “euforia” do ministro da Economia e sua trupe de economistasliberaloides. Tome-se o caso das ocupações. O pior momento, na série de dados da PNADC, foi registrado no trimestre junho a agosto do ano passado, quando o total de ocupados atingiu 81,666 milhões de pessoas, resultado mais baixo desde que a pesquisa passou a ser realizada no formato atual (ou seja, a partir de 2012). Na comparação com o quarto trimestre de 2019, quando o total de ocupados havia sido recorde, aproximando-se de 94,552 milhões, foram perdidos 12,886 milhões de empregos, numa redução de 13,6%. No trimestre finalizado em julho deste ano, com 89,042 milhões de ocupados, foram repostas 7,376 milhões de ocupações, numa alta de 9,0%. O número continuou, no entanto, perto de 5,8% abaixo do total registrado no trimestre final de 2019, restando um déficit ainda de 5,510 milhões de ocupações.

Balanço

  • Resta saber qual a qualidade das ocupações criadas de 2019 para cá. O total de pessoas na informalidade, na estimativa do IBGE, avançou de 31,043 milhões entre junho e agosto de 2020 para 36,295 milhões no trimestre encerrado em julho deste ano, significando um acréscimo de 5,252 milhões de ocupados (16,9% a mais). Esse número correspondeu a 71,2% de todas as vagas abertas na economia naquele período.
  • Outro caminho para avaliar para onde caminha o mercado de trabalho está no acompanhamento das ocupações pelo que o IBGE qualifica como “grupamentos de atividade”. Considerando aquelas que exigem menor qualificação, comparando às demais categorias, o total de ocupados havia despencado 17,4% entre o último trimestre de 2019 e os três meses entre junho e agosto do ano passado. No total, as ocupações nesta área haviam caído de 55,264 milhões para 45,649 milhões, com o encerramento de 9,615 milhões de empregos – o que representou 74,6% das ocupações perdidas em igual período.
  • Desde lá até o trimestre concluído em julho deste ano, o número avançou para 50,350 milhões de vagas, com a criação de 4,701 milhões de empregos, numa elevação de 10,3%. O segmento, desta forma, foi responsável por 63,7% de todas as ocupações abertas em igual intervalo. Não foi possível, ainda, retomar os níveis do final de 2019, restando uma diferença de 4,914 milhões de vagas a serem repostas, persistindo uma redução de 8,9%.
  • Numa fase mais recente, comparando os trimestres finalizados em julho do ano passado e em igual mês deste ano, o total de ocupados cresceu 8,6%, saindo de 82,027 milhões para 89,042 milhões, significando a contratação de 7,014 milhões de pessoas. Desse total, perto de 5,601 milhões de ocupações foram geradas no setor informal do mercado de trabalho, ou seja, quase 80,0% do total de novos empregos. O número de informais aumentou 18,3%, saindo de 30,694 milhões (37,4% do total de ocupados) para 36,295 milhões (40,76% de todos os ocupados).
  • Os empregos de baixa qualificação, da mesma forma, cresceram em torno de 11,9% no mesmo intervalo, saindo de 44,995 milhões para 50,350 milhões, num acréscimo de 5,355 milhões de trabalhadores (representando 76,4% do número de novos empregos surgidos em idêntico período).
  • Como os salários em geral são mais baixos naquelas categorias, o rendimento médio real recebido habitualmente por todos os ocupados baixou de R$ 2.750 para R$ 2.508, em baixa de 8,8%. Mesmo com o aumento no número de ocupados, essa redução do salário médio dos trabalhadores determinou um recuo de 1,0% na massa de rendimentos reais (quer dizer, no total somado de todos os rendimentos pagos ao conjunto dos trabalhadores). O valor baixou de R$ 220,225 bilhões para R$ 218,0 bilhões, numa perda de R$ 2,226 bilhões.
  • Desde de novembro de 2019, as famílias de trabalhadores deixaram de receber em torno de R$ 19,259 bilhões, diante de uma retração de 8,1% para a massa de rendimentos em termos reais.