Investimento em saúde pública desaba 77% em quase uma década

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de julho de 2022

O Sistema Único de Saúde (SUS) vem perdendo sua capacidade de investimento desde 2013, numa tendência agravada após 2017, não por coincidência no ano seguinte à promulgação da Emenda Constitucional 95, que determinou o congelamento das despesas públicas por duas décadas, em termos reais. Ao mesmo tempo, os chamados gastos tributários, que correspondem a impostos que o governo deixa de arrecadar para favorecer algum setor da economia, entraram em disparada no setor de saúde, indicando um crescimento acelerado na renúncia de receitas dentro do sistema. A distorção, aponta Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), torna mais dramático o quadro de subfinanciamento do SUS, num momento em que o setor público de saúde precisa lidar com toda a demanda represada desde o começo da pandemia.

A perda relativa está retratada nos projetos de lei orçamentária definidos pelo Ministério da Saúde ano a ano e esmiuçados pelo Ieps em estudo recente. Tomando os valores a preços do ano passado, detalha Aguillar, o orçamento destinado ao investimento no setor sofreu tombo de pouco mais de 77%, despencando de R$ 9,20 bilhões em 2013, maior valor da série histórica, para R$ 2,10 bilhões neste ano, ainda sem contabilizar o valor das emendas parlamentares. A dotação passou a representar apenas 1,45% da proposta orçamentária total para a saúde, saindo de 5,92% em 2013. Considerando a lei orçamentária devidamente sancionada pelo Congresso, a fatia do investimento murchou de 12,66% em 2012 para 2,67% no ano passado.

Mais perdas

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Sob o ponto de vista orçamentário, observa Alexandre Padilha, deputado federal (PT/SP) e ex-ministro da Saúde, houve o duplo impacto da redução dos recursos destinados inicialmente à saúde para o enfrentamento da pandemia e ainda em função dos limites criados pelo teto de gastos. Apenas neste último caso, estima o médico e parlamentar, as perdas de recursos aproximaram-se de R$ 36,9 bilhões entre 2018 e 2022, “considerando apenas recursos federais, sem contar o que pode ter ocorrido de impacto nos recursos estaduais e municipais para a saúde”. Na sua visão, o sistema público de saúde tem sido submetido a “uma destruição completa de programas, de instâncias, de procedimentos como jamais visto na história”.

Balanço

  • Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), identifica, da mesma forma, uma “uma diminuição brutal no financiamento” do setor nos últimos anos, “não muito percebida porque houve a necessidade de um aporte emergencial de recursos para o enfrentamento da pandemia”. As dificuldades orçamentárias foram agravadas pelas alterações rotineiras de ministros e em cargos estratégicos dentro do Ministério da Saúde, nem sempre alinhadas ao melhor conhecimento técnico e a evidências científicas, conforme Zeliete e Padilha.
  • Reconhecido internacionalmente por sua eficácia, mesmo o Programa Nacional de Imunização (PNI) sofreu com o que Ana Maria Malik, coordenadora do FGV Saúde, classifica como “bateção de cabeça”. Segundo ela, “quando você passa a ter pessoas no comando que não sabem o que é o SUS, que não têm clareza do que significa a saúde para todos, não sabem o que significa a saúde como direito, isso acaba gerando conflitos na cadeia de comando”.
  • Apenas o PNI, relembra Padilha, “teve mais de três coordenadores em meio à pandemia e foi submetido a decisões sobre pessoas a serem vacinadas totalmente contrárias às recomendações das sociedades especializadas”. O deputado identifica uma operação para desmantelar a “própria equipe técnica do Ministério da Saúde, com destruição dos procedimentos administrativos de compra, de licitação, de consulta à comunidade científica para definição das melhores tecnologias a serem incluídas, num verdadeiro terraplanismo sanitário”.
  • Zelite e Padilha apontam a necessidade de um amplo esforço para fortalecimento do SUS nos próximos anos, para remontagem do sistema de governança e reconstrução de pactos federativos e das instâncias desmontadas pela política de conflitos da atual gestão, agora na descrição do deputado. A ofensiva em busca de mudanças já mobiliza, conforme Zeliete, conselhos e associações do setor médico, da área de saúde coletiva, organizações não governamentais, movimentos coletivos e o setor de pesquisa. “A sociedade científica organizada vai fazer uma pressão para que haja uma mudança para melhorar o SUS para que aumente a sua efetividade”, resume ela.
  • Os dados da plataforma Siga Brasil, do Senado Federal, alimentada pelo Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), mostram que as despesas planejadas para o sistema público de saúde neste ano sofreram corte de R$ 55,5 bilhões em relação aos recursos destacados para o setor em 2021, caindo de R$ 215,7 bilhões para R$ 160,2 bilhões. Em dois anos, o orçamento encolheu R$ 64,1 bilhões, a preços atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e retornou praticamente aos mesmos níveis de 2019. Na prática, a plataforma não registra avanços desde 2017, quando o orçamento havia alcançado R$ 161,1 bilhões. O dinheiro previsto para a atenção básica caiu 8,6% entre 2021 e 2022, passando de R$ 40,9 bilhões para R$ 37,4 bilhões.