Mercados erram (de novo) e IPCA de março foi mais alta em 28 anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 09 de abril de 2022

Os mercados continuam sendo “surpreendidos” pelo comportamento dos preços em toda a economia. Mais recentemente, no entanto, a “surpresa” tem sido sempre acima das projeções correntes do setor financeiro, que assumiu um surpreendente “otimismo” em relação às taxas de inflação, passando a apostar em índices inferiores àqueles de fato anotados pelas instituições de pesquisa. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para março, por exemplo, havia sido estimado em alguma coisa ao redor de 1,35%, com o relatório Focus sugerindo variação ainda mais baixa, em torno de 1,06%, na rodada de apostas capturada na última semana de março pelo Banco Central (BC), responsável pelo relatório. A equipe de macroeconomia do Itaú Unibanco chegou a antecipar uma taxa próxima a 1,33% (diante de uma previsão anterior de 1,31%). Mas o IPCA fechou o mês em 1,62%, a taxa mensal mais elevada em 28 anos, antes ainda do Plano Real, acumulando 11,30% em 12 meses – a mais alta para um período de 12 meses desde outubro de 2003, quando havia alcançado 13,98%.

A “bola de cristal” dos mercados vinha sempre ajustada para carregar nas tintas mais negras quando se tratava de antecipar a inflação futura, numa forma de interferir na política de fixação dos juros básicos pelo BC, sempre buscando influenciar para que aquela taxa fosse crescente ao longo do tempo. O que acontece agora é que a realidade dos preços tem sido mais inclemente do que especuladores e “pescadores de águas turvas” (como se dizia antigamente) poderiam esperar, o que levou o governo a antecipar para 16 de abril a entrada em vigor da “bandeira verde” para as tarifas de energia, numa tentativa de produzir índices inflacionários mais baixos.

Nos cálculos quase nunca confiáveis do governo e sua equipe econômica, o fim da escassez hídrica e dos acréscimos na conta da energia residencial tenderiam a produzir uma redução de quase 20% na tarifa de luz. Essa redução já estava incluída nas expectativas do mercado, pois a “bandeira verde” deveria entrar em vigor a partir de maio. A antecipação deverá aliviar as taxas em abril e em maio, mas seus efeitos tendem a ser diluídos ou anulados pela alta nos preços dos combustíveis e pelo avanço ainda persistente nos custos da alimentação, que ganharam fôlego renovado em março.

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Pressão dos alimentos

A inflação dos alimentos consumidos no domicílio havia alcançado 1,65% nos 30 dias de fevereiro, subindo para 2,51% nas quatro semanas terminadas na segunda semana de março e para 3,09%. Desde fevereiro, portanto, a taxa elevou-se 1,44 pontos de porcentagem, passando a responder por pouco mais de 29,0% do IPCA do mês passado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em fevereiro, a contribuição dos preços dos alimentos no domicílio havia sido levemente inferior a 25,0%. O ritmo dos aumentos nesta área tende a perder fôlego com o fim das chuvas, que castigaram sobretudo a produção de folhas e legumes, reduzindo sua oferta e causando alta nos preços, e com a entrada da safra de grãos. Ainda assim, com as cotações ainda sob intensa pressão no mercado internacional, o alívio pode vir em dose menor do que se espera. Em plena safra, num exemplo, os preços do leite atingiram níveis recordes em março, refletindo os valores pagos pelas usinas aos produtores pelo leite entregue em fevereiro. Na média, superaram a faixa de R$ 2,21 por litro, maior valor da série histórica do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP, iniciada em 2004, já descontada a inflação.

Balanço

  • Numa simulação da coluna, quando integralmente incorporados pelo mercado e incluídos nos preços cobrados na bomba dos motoristas, os aumentos em vigor desde 11 de março da gasolina (18,7%), do gás de botijão (16,0%) e do diesel (24,9%) tendem a gerar um impacto direto sobre a inflação de 1,47 pontos de porcentagem. A redução da tarifa de energia, supondo um percentual de 20%, conforme antecipado pelo governo, ajudaria a reduzir o IPCA em pouco menos de um ponto de porcentagem. O impacto final tenderia a ser, ainda, uma elevação muito próxima de 0,48 pontos. Obviamente, o impacto seria maior não houvesse o final da bandeira de escassez hídrica.
  • A antecipação da mudança na tarifa da energia tende a reduzir a taxa esperada para abril, mas, inversamente, poderá tornar menos intensa a deflação já modesta esperada pelos mercados para maio. A LCA Consultores esperava uma inflação negativa em 0,05% em maio, antes da mudança, e agora trabalha com uma estimativa ligeiramente mais elevada, com o IPCA atingindo perto de 0,17% (ainda assim, muito abaixo do índice mensal observado até o momento).
  • Na mesma linha, o Itaú Unibanco revisou suas previsões para abril e maio. Antes, arriscava taxas de 1,11% para o primeiro mês e uma deflação de -0,26% em maio. Agora, estima um IPCA de 071% para abril e -0,02% em maio. Isso porque, grosso modo, metade do impacto da mudança na tarifa afetará a inflação de abril e o restante da redução da conta de energia será captado no mês seguinte. Antes disso, toda a redução ocorreria em maio.
  • Além disso, o impacto da mudança na bandeira tarifária já estava nos cálculos do setor financeiro e das consultorias, mudando apenas sua distribuição ao longo daqueles meses. Seu impacto será limitado quando se consideram as previsões para a inflação dos 12 meses de 2022, mantidas pelos mercados ao redor de 6,86% até o final de março. O setor de energia ainda terá que atravessar o período de altas regulares nas tarifas, conforme programado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e a intensidade desses aumentos poderá anular o efeito deflacionário do fim da bandeira de escassez hídrica (sem considerar a possibilidade de mudanças nas tarifas diante de um regime de chuvas irregular e a cada ano menos intenso).
  • Apenas para não deixar de registrar, o IPCA saiu de 1,01% em fevereiro para 0,95% nos 30 dias encerrados ao final da primeira quinzena de março, fechando o mês em 1,62%. Perto de 70,3% do IPCA de março vieram das altas de 3,09% nos custos da alimentação no domicílio e de 2,65% nos preços “monitorados”, categoria que inclui gás de cozinha, gasolina, diesel, ônibus, energia, medicamentos, taxas de água e esgoto, entre outros custos.