Meta de 3% para inflação foi definida sem bases técnicas, dizem economistas

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 09 de fevereiro de 2023

A decisão de reduzir a meta de inflação para 3,0% em 2024 e 2025, num processo referendado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) a partir de 2019, foi tomada supostamente sem estudos mais aprofundados e, portanto, sem bases técnicas mais fundamentadas. A suposição considera a “escassa literatura” sobre o assunto no Brasil e, sobretudo, porque a justificativa apresentada à época pela equipe econômica do ministro dos paraísos fiscais levava em conta apenas a necessidade de acompanhar outras economias emergentes, que trilhavam caminho semelhante ao que seria escolhido mais à frente pelo desgoverno que havia tomado a Esplanada dos Ministérios.

O centro da meta inflacionária, regime adotado pelo País desde 1999, havia sido mantido em 4,50% entre 2005 e 2018, embora a inflação média do período tenha alcançado algo como 5,60% ao ano, conforme descrevem os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, pesquisadores associados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), autores de trabalho recente que coloca em dúvida os critérios adotados pela equipe econômica anterior para reduzir a inflação a ser perseguida pelo Banco Central (BC).

Em 2019, a meta já havia sido reduzida para 4,25%, baixando para 4,0% em 2020 e para 3,75% em 2021. No ano passado, para uma inflação anual de 5,79%, vigorou a meta de 3,50%, fixada em 2019. Para este ano, a meta a ser atingida já havia sido fixada em 3,25% em resolução de 2020 do CMN. Em junho de 2021 e no mesmo mês de 2022, o conselho determinara a redução do centro da meta para 3,0% a valer em 2024 e 2025. Borges e Barboza têm proposto a revisão daquele objetivo para uma taxa mais próxima de 4,0% ao ano, o que despertou a “ira santa” dos mercados e de colegas de profissão instalados nas trincheiras mais “ortodoxas” do pensamento econômico.

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Ataque e contra-ataque

Os críticos contra-atacaram afirmando que a revisão para cima da meta despertaria a desconfiança da sociedade, fazendo a taxa de inflação subir, o que exigiria elevar ainda mais os juros básicos, com perdas mais severas para a economia como um todo, sob a forma de um crescimento mais baixo no curto prazo. “Mas, será que a evidência disponível suporta essa avaliação mais conceitual?”, questionam Borges e Barboza em texto veiculado no início da semana no Blog do Ibre. Sua conclusão, após extensas considerações e um raciocínio elaborado com base em textos, estudos técnicos e até mesmo em trabalhos desenvolvidos pelo próprio BC brasileiro, mostra que “a evidência recente, sobretudo aquela disponível para o caso brasileiro, sugere que uma meta de 3% pode não ser adequada para a nossa realidade atual”. Mais do que isto, “uma meta de inflação algo mais elevada poderia trazer mais benefícios do que custos”.

Balanço

  • Borges e Barboza levam em consideração, ao recomendar a elevação modesta do centro da meta de inflação, um “contexto de mercado de trabalho pouco flexível (ao menos bem menos flexível do que o dos Estados Unidos), de grande rigidez para baixo de preços e salários nominais, de elevada fragilidade fiscal e diante de uma realidade em que diversas despesas fiscais não podem ser reduzidas”.
  • Ao aprimorar seu modelo econométrico utilizado para calibrar as taxas de juros, considerando a inflação desejada mais à frente, o BC “simulou os impactos sobre a inflação e sobre o Produto Interno Bruto (PIB) das reduções das metas de inflação que começaram a ser anunciadas no Brasil a partir de 2017”, escrevem os dois pesquisadores. Conclusão das simulações: uma redução de 0,75 pontos percentuais na meta inflacionária produziu uma redução de somente 0,40 pontos na taxa anual dos juros nominais para 2019 a 2021, causando um aumento dos juros reais médios (depois de descontada a inflação) no período em qualquer coisa próxima a 0,30 pontos percentuais.
  • O impacto, ressaltam Borges e Barboza, “é bem pequeno”, mas lembram que não poderia ser de outra forma considerando-se que as revisões da meta foram igualmente reduzidas. “O fato é que o impacto da redução da meta de inflação sobre o PIB foi negativo”, assim como na “situação fiscal”, ainda que esses efeitos tenham sido temporários, destacam na sequência.
  • Uma mudança de sinal oposto, prosseguem, traria efeitos também opostos. A dupla de economistas recorre ao mesmo modelo do BC para simular os impactos da elevação (modesta, repita-se) da meta inflacionária. “A modelagem do Banco Central do Brasil sugere a possibilidade de redução da taxa real de juros, aumento do PIB e melhoras da situação fiscal”, apontam. Para acrescentar em seguida que os ganhos não seriam de fato muito expressivos (até em função das dimensões da mudança proposta).
  • Em outro ponto da discussão proposta por Borges e Barboza, quando passam a elaborar sobre qual deveria ser a “meta ótima de inflação”, ambos lembram que a literatura empírica disponível tem apontado, mais recentemente, que “taxas de inflação de até um dígito (ou seja, abaixo dos 10%, aproximadamente) não geram impactos deletérios sobre o crescimento econômico de médio e longo prazo”. Adicionalmente, papers e estudos mais recentes mostram que “valores muito baixos para a meta de inflação geram perdas de bem-estar, assim como valores muito elevados”. Mais claramente, reforçam eles, “há um limiar de inflação a partir do qual taxas de inflação menores pioram o bem-estar agregado da sociedade”.
  • Num trabalho de fôlego longo, mencionado por Borges e Barboza, considerando dados para 22 economias avançadas entre 1870 e 2016, fica demonstrado que uma redução da participação da população em idade de trabalhar, com maior propensão para poupar parte de sua renda, tende a gerar pressões inflacionárias. No Brasil, essa faixa populacional teria alcançado seu ponto máximo entre 2019 e 2020, “passando a recuar a partir de então – sugerindo que esse fator, isoladamente, tende a elevar a inflação tendencial brasileira daqui em diante (tal como em boa parte do mundo)”, sustenta a dupla, acrescentando mais um motivo para revisar a meta de inflação brasileira.