Excesso de demanda? Vendas derrapam e ficam abaixo do nível anterior à pandemia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 10 de fevereiro de 2023

A turma do Banco Central (BC), analistas e comentaristas econômicos alinhados incondicionalmente ao mercado financeiro e seus porta-vozes na grande imprensa gostam de bramir aos quatro ventos que as taxas de juros devem ser mantidas nos níveis extorsivos atuais sob o pretexto de segurar a demanda e conter a inflação. Desconsideram propositadamente a realidade. A começar pelas causas centrais da inflação desde a pandemia, alimentada por uma tendência de elevação dos custos globais de energia, alta nos preços das commodities, desarranjos nas cadeias globais de produção e escalada nos custos internacionais do transporte.

Como fator doméstico, a liquidação dos estoques reguladores de alimentos, com o fim da política de regulação do governo nesta área, contribuiu para que a escalada dos preços dos alimentos, que acumulam alta de 12,3% nos 12 meses finalizados em janeiro deste ano, diante de uma inflação de 5,77% em igual período. O tal “excesso de demanda” está apenas nos textos e falas do pessoal que se submeteu aos interesses do mercado para favorecer a proliferação do rentismo no País em benefício dos donos do dinheiro.

No lado real da economia, como voltam a mostrar os dados da pesquisa mensal do comércio, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as vendas “andaram de lado” no ano passado, para recorrer a um jargão do mercado. No conceito mais restrito e convencional do setor, que inclui operações exclusivamente varejistas, as vendas avançaram apenas 1,0% em relação a 2021, quando haviam anotado variação de 1,4%. Conforme registra o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), foi “o resultado mais fraco desde 2016” (quando o varejo chegou a encolher 6,2%) e ainda ficou abaixo do desempenho observado em 2020, “o pior ano da pandemia”. Naquele ano, como se recorda, o varejo restrito experimentou elevação de 1,2%.

Continua após a publicidade

No conceito ampliado, que inclui concessionárias de veículos e motos, lojas de autopeças e de materiais de construção, que também atendem ao mercado atacadista, as vendas recuaram 0,6% na comparação com 2021, com baixa de 1,7% para veículos, motos e autopeças e tombo de 8,7% para materiais de construção. Ambos setores vinham de crescimento no ano anterior, com salto de 14,9% para veículos, motos e peças e elevação de 4,4% para as vendas de materiais de construção. As lojas de veículos e peças sofreram perdas em cinco dos últimos 10 anos.

Abaixo de fevereiro de 2020

A despeito de eventuais flutuações positivas, a pesquisa mostra que, nos dois conceitos, o volume de vendas não conseguiu sequer reeditar os níveis de fevereiro de 2020, último mês antes da chegada da pandemia ao Brasil. No caso do varejo restrito, persistia uma redução de 1,1% nesse tipo de comparação, com baixa de 1,5% para o varejo ampliado. O desemprego ainda elevado e a renda afetada negativamente pela inflação nitidamente roubaram fôlego das vendas, numa tendência agravada pelo encarecimento do crédito. Essa conjunção de fatores parece explicar porque o comércio não consegue uma recuperação efetiva. Em pouco mais de uma década, mais precisamente na comparação com agosto de 2012, as vendas do varejo amplo sofreram perda de 6,9%. No comércio varejista convencional, a queda chegava a 6,8% frente a outubro de 2020, quando o setor atingiu seu nível mais elevado na série em função do auxílio emergencial desembolsado no período.

Balanço

  • Ainda na avaliação do Iedi, o resultado negativo do comércio como um todo no ano passado foi também influenciado “pelo mau desempenho de bens de consumo duráveis, como consequência do encarecimento do crédito e da recomposição dos serviços na cesta de consumo das famílias de maior renda, com o controle da pandemia”.
  • Além do impacto causado pela disparada dos juros, que afastou as famílias do crediário e elevou seu endividamento, bens duráveis em geral (televisões, eletrodomésticos, automóveis e outros) podem ter seu consumo adiado “em períodos de encolhimento do poder de compra”, observa ainda o instituto.
  • Os dados acumulados no ano mostram, adicionalmente, a influência das vendas de combustíveis e lubrificantes sobre o resultado geral do varejo, estimuladas pela redução eleitoreira dos impostos e contribuições nesta área. Embora tenham experimentado baixa nos dois últimos meses do ano passado, as vendas do setor fecharam em alta de 16,6% frente a 2021 (quando praticamente não haviam crescido, anotando variação de 0,3%). Na composição da taxa de crescimento das vendas de todo o varejo (convencional e ampliado), os combustíveis entraram com uma contribuição de um ponto percentual.
  • Esse desempenho ajudou a evitar um tombo mais severo do comércio. Para comparação, excluído o segmento de combustíveis, as vendas dos demais setores do varejo encolheram qualquer coisa ao redor de 1,8%. O varejo restrito, em outro exemplo, teria experimentado redução em torno de 0,5% (ao invés da taxa positiva de 1,0% de fato observada).
  • Os números dos dois últimos bimestres mostraram nítida desaceleração no ritmo de crescimento das vendas, com única exceção para o setor de móveis e eletrodomésticos (aparentemente em função das vendas maiores de televisores por influência da Copa do Mundo). Entre o quinto e o sexto bimestres, as vendas do varejo restrito saíram de um crescimento de 3,0% para apenas 0,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. No varejo amplo, a variação já modesta de 0,6% cedeu espaço para uma redução de 1,0%. No setor de móveis e eletrodomésticos, houve baixa de 3,5% no quinto bimestre e elevação de 1,5% no bimestre seguinte.
  • Em Goiás, as vendas do varejo restrito anotaram recuo de 0,4% no ano passado, com elevação de 1,5% no varejo ampliado. Os sinais se mantém na comparação entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2020, com queda de quase 6,0% no primeiro segmento e elevação de 5,1% para o varejo ampliado.
  • Os números de mais longo prazo não são nada lisonjeiros para o Estado. Comparadas a fevereiro de 2014, melhor desempenho da série, as vendas do varejo restrito desabaram 32,4%. No comércio amplo, seu melhor momento foi registrado em agosto de 2012 e, desde lá, sofreu perda de 26,6%.
  • No curtíssimo prazo, houve piora nas tendências. Desde março de 2022 até dezembro passado, as vendas do varejo restrito e do comércio mais amplo acumulavam perdas de 6,6% e de 8,4% respectivamente.