“Negócios” com filiais lá fora explicam 87% do salto no investimento externo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de dezembro de 2022

Ao longo dos primeiros 11 meses deste ano, o investimento supostamente realizado por estrangeiros no Brasil cresceu aceleradamente, saindo de US$ 51,618 bilhões para US$ 82,291 bilhões entre janeiro e novembro de 2021 e 2022, registrando alta de 59,42% e alcançando a terceira maior marca na série histórica do Banco Central (BC) para o período. O número fica atrás apenas do total recebido pelo País a título de investimento estrangeiro direto em 2011 e 2012, quando havia somado, sempre entre janeiro e novembro, US$ 94,886 bilhões e US$ 87,469 bilhões respectivamente.

Aparentemente, mesmo num período de turbulências eleitorais, ameaças abertas à estabilidade institucional e ao Estado de direito, e baixo crescimento econômico, o investidor estrangeiro sentiu-se animado a destinar mais dólares para, supostamente, financiar a expansão de seus negócios no País. Na comparação com os mesmos 11 meses do ano passado, portanto, a conta do investimento estrangeiro aumentou em US$ 30,673 bilhões. Pouco mais de 65,6% desse incremento deu-se nos últimos seis meses, como mostram os dados brutos do BC trabalhados pela coluna.

De fato, entre junho e novembro deste ano, o investimento direto somou perto de US$ 44,464 bilhões, correspondendo a 54,03% de tudo o que chegou a ser investido desde janeiro. Nos mesmos seis meses do ano passado, haviam sido investidos ao redor de US$ 24,332 bilhões, o que significa dizer que esse valor aumentou em US$ 20,132 bilhões, num salto de 82,74%. O dado indica uma forte aceleração precisamente na fase mais crítica do período eleitoral, o que não parece fazer muito sentido quando se reconhece o nível elevado de incertezas que sempre acompanha as disputas políticas e as expectativas de mudanças de rumos na economia que cercam as eleições majoritárias no País.

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Operações “especiais”

As estatísticas do BC, no entanto, apontam forte influência dos “negócios” realizados entre filiais de empresas brasileiras instaladas fora do País com suas matrizes sediadas no Brasil no desempenho do investimento “estrangeiro”. Vale dizer, o grosso do aumento registrado nos seis últimos meses decorreu de operações realizadas entre filiais e suas matrizes brasileiras, no que o BC classifica como “investimento reverso”, já que correspondem a recursos que haviam deixado o País em algum momento e agora retornam – muito provavelmente em busca de lucros fáceis e garantidos em negócios no cassino dos juros altos e também no mercado de câmbio. O dado oficial demonstra que os bilhões de dólares injetados por filiais brasileiras no exterior em suas matrizes no País entre junho e novembro responderam por 87,12% do crescimento acumulado pelos investimentos estrangeiros na comparação com os mesmos seis meses do ano passado.

Balanço

  • No ano passado, sempre considerando o período de junho a novembro, as filiais haviam recebido de suas matrizes no País perto de US$ 5,771 bilhões. Mais claramente, a economia brasileira deixou de receber investimentos naquele mesmo valor porque as empresas donas daquelas filiais consideraram mais relevante “investir” lá fora. Neste ano, ainda naqueles mesmos seis meses, as filiais remeteram a suas matrizes aqui dentro algo próximo de US$ 11,767 bilhões, numa reviravolta de quase US$ 17,538 bilhões – o que correspondeu, apenas para reforçar, àquela contribuição de 87,12% para o aumento do investimento estrangeiro direto, lembrando que as operações entre filiais lá fora e matrizes aqui dentro responderam por 26,46% do investimento total.
  • As transações operadas por matrizes estrangeiras e suas filiais no Brasil seguiram roteiro semelhante. Entre junho e novembro do ano passado, as filiais haviam aportado a suas matrizes no exterior alguma coisa próxima a US$ 1,460 bilhão. Os dólares tomaram caminho inverso neste ano, com as matrizes estrangeiras destinando a suas filiais qualquer coisa ao redor de US$ 2,729 bilhões. A mudança de sinais correspondeu a uma variação de US$ 4,189 bilhões, correspondendo a 20,82% do aumento registrado pelo investimento estrangeiro total.
  • Como se percebe, a soma daqueles dois tipos de operações envolvendo matrizes e filiais supera em 7,94% a variação absoluta acumulada pelo investimento total. Obviamente, alguma forma de investimento deve ter sofrido baixa durante o período avaliado. Descontados os “negócios” muito especiais entre matrizes e filiais, o investimento estrangeiro restante anotou um recuo de 5,05%, caindo de US$ 31,562 bilhões para US$ 29,968 bilhões (quer dizer, US$ 1,594 bilhão a menos).
  • A queda ficou concentrada nos investimentos em participação no capital, que refletem recursos aportados seja na compra de ações de empresas já no mercado, seja para expansão de negócios ou instalação de novas empresas e fábricas. Esse tipo de investimento sofreu baixa de 6,90% entre 2021 e 2022, encolhendo de US$ 28,741 bilhões para US$ 26,758 bilhões sempre entre junho e novembro de cada ano, num tombo de US$ 1,983 bilhão.
  • No acumulado em 11 meses, as relações entre matrizes e filiais instaladas aqui e lá fora ajudaram a explicar 62,83% do aumento registrado pelo investimento estrangeiro total, o que confirma a aceleração mais recente (já que a contribuição se tornou ainda mais relevante a partir de junho). O dado parece sugerir que esses dólares passaram a chegar ao País para aproveitar brechas e multiplicar ganhos de grandes grupos estrangeiros e brasileiros no curtíssimo prazo, proporcionados pelos juros estratosféricos.