Coluna

“Nova” Previdência agrava concentração da renda e situação financeira do sistema

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 27 de agosto de 2019

O
fim das aposentadorias por tempo de contribuição e a imposição de uma idade
mínima para quem vai se aposentar daqui para frente, conforme prescreve a
reforma do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) a ser aprovada pelo Senado
nas próximas semanas, provavelmente farão agravar a regressividade, penalizando
trabalhadores de renda mais baixa, e aumentar o custo atuarial de todo o
sistema, ao contrário do que alegam governo, assessores e consultores
“pró-reforma”.

Para
compensar esse desequilíbrio atuarial, a proposta eleva para 20 anos o tempo
mínimo de contribuição para quem ingressar no mercado de trabalho depois da
reforma, “o que pode excluir nada menos do que 56,6% dos homens que se
aposentam por este regime hoje, ou 790 mil contribuintes por ano, de acordo com
os microdados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de 2016”, segundo
nota do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) do
Instituto de Economia da Universidade de Campinas (IE/Unicamp).

As
mudanças, sustenta o trabalho, decretarão o fim da “engenharia pensada pelo
Congresso em 1999 para redistribuir recursos em um sistema solidário de
repartição e atender à heterogeneidade das condições de trabalho na sociedade
brasileira”. Ainda de acordo com o Cecon, um ponto central na argumentação
desenvolvida pelo governo sugere que trabalhadores com renda mais alta e
estabilidade no emprego conseguem se aposentar mais cedo e, ao receberem
aposentadoria por um período mais longo de anos, seriam “privilegiados que
oneram o sistema público de aposentadoria de um modo injusto”. O trabalho “O
mito do custo fiscal e da regressividade da aposentadoria por tempo de
contribuição” conclui, depois de realizar análises atuariais detalhadas, que aquele
conjunto de argumentos construído pela equipe econômica e consultores do
mercado é “simplesmente falso”.

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E
pode ser pior ainda, conforme sustenta o trabalho: “O idoso pobre que perde o
emprego antes de completar 65 anos e não consegue completar 15 ou 20 anos de
contribuição vai simplesmente perder suas contribuições e não se aposentar.
Muitos daqueles que conseguirem se aposentar, contudo, serão jogados na
pobreza”.A nota foi elaborada por Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do IE/Unicamp
e pesquisador do Cecon, André Luiz Passos Santos, mestre em história econômica
(USP), Ricardo Knudsen, doutor em química pela USP e proprietário da KnudZen
Consulting (Itália), e Henrique Sá Earp, professor doutor do Instituto de
Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp.

Erros crassos


pelo menos dois erros crassos nas projeções oficiais, primeiro ao desconsiderar
abertamente a redução imposta às aposentadorias por tempo de contribuição pelo
chamado “fator previdenciário” (que, resumidamente, impõe cortes vigorosos no
valor do benefício de quem se aposenta mais cedo) e, ainda, ao desprezarem a
matemática financeira aplicada a cálculos atuariais recomendados pela melhor literatura
disponível nesta área. A quem interessa o desmonte do regime previdenciário, é
a questão a ser respondida, segundo os especialistas da Unicamp.

Balanço

·  
De
forma geral, no regime em vigor, um trabalhador que se aposente aos 55 anos,
com 35 anos de contribuição pelo teto da Previdência (R$ 5.839), acumularia, a
valor presente, perto de R$ 512,4 mil em contribuições e poderia usufruir, ao
longo de 26,4 anos (sobrevida estimada para aquela idade), de R$ 336,9 mil (com
aplicação do fator previdenciário), equivalente a quase dois terços de tudo o
que contribuiu ao longo de sua vida laboral.

·  
No
caso das mulheres que se aposentam aos 52 anos, com 30 de contribuição, o valor
total dos benefícios a receber, supondo uma sobrevida de 28,8 anos, equivaleria
a 79% das contribuições realizadas.

·  
Nos
dois casos, o sistema foi pensado para permitir que trabalhadores e trabalhadoras
que não têm estabilidade no emprego e ganham menos possam se aposentar por
idade e receber um benefício mínimo, ainda que não tenham tido a oportunidade
de contribuir para isso.

·  
Por
isso, no caso desse trabalhador mais pobre, a soma das aposentadorias será
entre 6,7% e 43,4% mais elevada do que o total da contribuição para homens e
mulheres, respectivamente. Sempre trazidos a valor presente, um método não
aplicado pelos formuladores da “Nova Previdência”.

·  
Essa
característica assegura certa progressividade ao sistema, ao contrário do que
argumenta o governo, beneficiando os mais desfavorecidos no mercado de
trabalho.

·  
A
partir da reforma, o valor total das aposentadorias dos mais pobres passará a
representar entre 68% e 85% das contribuições para os homens e 92% para as
mulheres (no caso da aposentadoria integral).

No teto de contribuição, a relação pouco muda
para os homens (com as aposentadorias esperadas representando 67% das
contribuições realizadas), mas avança para 92% para as mulheres. Ou seja,
pode-se esperar uma piora na distribuição de renda dentro do sistema.