Coluna

O dia em que eu quase fiquei encalhado no Canal de Suez

Publicado por: Marcelo Mariano | Postado em: 29 de março de 2021

Marcelo Mariano*

As fronteiras sempre me fascinaram. Desde criança, quando
trocava qualquer coisa para ler um atlas ou explorar o globo terrestre – meu
brinquedo favorito.

Anos mais tarde, tive a oportunidade de cruzar algumas
fronteiras. Mais do que passar de um país para outro, a melhor parte, para mim,
é cruzar continentes.

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Uma balsa do Marrocos, na África, para a Espanha, na Europa,
via estreito de Gibraltar. Ou cruzar continentes sem sair do mesmo país, como
em Istambul, na Turquia, onde passa o estreito de Bósforo, que separa a Ásia da
Europa.

Na última semana, o Canal de Suez, no Egito, ganhou as
manchetes por conta de um navio que encalhou, travou o fluxo e segue causando
um enorme prejuízo para o comércio internacional.

O Canal de Suez é a fronteira entre África e Ásia. De todas
as minhas travessias continentais, foi a mais tensa. A recompensa, por outro
lado, fez valer a pena.

Eu estava no Cairo, a capital egípcia, e queria ir até
Dahab, um paraíso no Mar Vermelho e ponto de partida para quem quer subir o
Monte Sinai – não era o meu caso –, onde, segundo a tradição religiosa, Deus
transmitiu os dez mandamentos para Moisés.

A viagem, de ônibus, teve problemas antes mesmo de começar.
Não tinha comprado passagem com antecedência e, quando cheguei à estação, me
informaram que os assentos estavam esgotados.

Eu não tinha outra opção de data para viajar. Tinha que ser
naquele dia. Então, alguém na estação sugeriu pegar um ônibus, que saía um
pouco mais tarde, para Sharm el-Sheik, outro paraíso – repleto de russos –, de
onde poderia tomar um segundo transporte para Dahab.

Independentemente de o destino ser Dahab ou Sharkm el-Sheik,
o trajeto passava pelo Canal de Suez e, consequentemente, cruzava a fronteira
entre dois continentes. Era o que me animava para um dia inteiro dentro de um
ônibus.

A questão é que essa região, a Península do Sinai – a parte
asiática do Egito –, não é tão simples assim. Eu ia para o sul, mas, no norte,
que é perto do túnel pelo qual eu passaria para cruzar o Canal de Suez, há
grupos terroristas ativos, e o esquema de segurança é rigoroso.

No ônibus, eu e um amigo de Uberlândia éramos os únicos
estrangeiros, com passaportes do Brasil, o que mais levanta suspeitas de
falsificação porque, afinal, qualquer pessoa, de qualquer país, pode se passar
por brasileiro.

Quando chegamos ao Canal de Suez, já de madrugada, um
passageiro teve um ataque epilético. Eu nunca tinha presenciado esse tipo de
situação e confesso que me assustei. Deu tudo certo, mas o clima ficou ainda
mais tenso.

Na hora da revista, os policiais selecionaram alguns
passageiros aleatoriamente, pegaram os documentos e mandaram descer com as
bagagens. Eu e meu amigo, claro, estávamos no meio.

Com a cabeça para baixo e sem abrir a boca. Só podia se
movimentar quando o policial pedisse para abrir a bagagem. Será que, ao meu
lado, havia algum terrorista? Ou será que era dos brasileiros que eles
desconfiavam?

De todas as minhas viagens, essa foi, de longe, a vez que
mais senti medo. A sensação era de que algo estava prestes a dar errado. Mas, felizmente,
não houve nada além das caras bravas dos policiais.

Ufa, não fiquei encalhado no Canal de Suez. Foi só um susto,
um frio na barriga. Nada que tenha prejudicado o comércio internacional. E
ainda bem que não dependi de uma escavadeira.

Já estava na Península do Sinai, palco de importantes
guerras para a geopolítica do Oriente Médio – Israel chegou a anexar este
território –, como em 1956 e 1967, duas ocasiões em que o Canal de Suez também
ficou bloqueado.

Depois de uns dias em Dahab, hipnotizado com a água
cristalina e a vista para as belas montanhas da Arábia Saudita do outro lado do
Mar Vermelho, peguei um barco para a Jordânia. Meu destino final era Petra, uma
das sete maravilhas do mundo.

No barco, um simples movimento com a cabeça alterava o país
que estava diante dos meus olhos. Egito, Israel, Jordânia ou Arábia Saudita.
Muitas fronteiras em pouco espaço. Aquela criança, viciada em atlas e globos
terrestres, estava realizada.

*Assessor internacional da Prefeitura de Goiânia e
vice-presidente do Instituto Goiano de Relações Internacionais (Gori). Escreve
sobre política internacional às segundas-feiras.