Coluna

O lado real da economia derrete, mas BC alimenta seu mundo da fantasia

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 09 de maio de 2020

Enquanto
o lado real da economia enfrenta um processo literal de desmanche como
consequência dos impactos iniciais da pandemia, o Banco Central (BC) e sua
equipe de “sábios” parecem ter perdido definitivamente o contato com a “nave
mãe”. Na reunião encerrada na quarta-feira, dia 6, quando decidiu reduzir a
taxa básica de juros de 3,75% para 3,0% ao ano – a mais baixa já experimentada
no Brasil, pelo menos em termos nominais –, o Comitê de Política Monetária
(Copom), formado exclusivamente pela alta direção do BC, voltou à retorica de
sempre – o ajuste fiscal ou o caos (como se o caos já não estivesse instalado
no País).

Ao
avaliar o tal “balanço de riscos”, com o qual a entidade afere os riscos
adiante para o equilíbrio dos preços em geral, no “horizonte relevante para a
política monetária” (quer dizer, nos próximos dois anos), o Copom acredita
mesmo que reformas e ajustes na área fiscal (quer dizer, arrocho nos gastos
públicos) ainda são extremamente relevantes para assegurar a retomada
“sustentável” da atividade econômica na saída da crise sanitária. Em seu
balanço, se de um lado a ociosidade na economia (fábricas e máquinas paradas,
desemprego em escalada) tende a jogar a inflação para níveis inferiores ao
esperado (e abaixo da meta inflacionária), de outro “políticas fiscais de
resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do País de forma prolongada,
ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios
de risco e gerar uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte
relevante para a política monetária”.

Diante
de considerações do tipo, cabe perguntar: em que mundo (de fantasia) vivem o
presidente do BC e seus diretores? Quer dizer que as medidas de socorro a
empresas e famílias, que sequer têm conseguido cumprir os objetivos propostos
de amenizar os impactos da crise, poderão levar o País à ruína inflacionária?
Os (parcos) recursos até agora destinados de forma extraordinária ao setor de
saúde, para tentar salvar vidas, terão o poder de produzir um desastre inflacionário?
Os custos em empregos, quebradeira de empresas, colapso do sistema de saúde e
em vidas diante de uma atuação deficiente ou ineficaz não contam?

Continua após a publicidade

Bússola perdida

Do
alto de sua torre de marfim, totalmente integrada ao mercado financeiro e à
mais rasteira visão de política econômica, já abandonada nos grandes centros de
produção do pensamento econômico mundial, os tecnocratas da economia perderam a
bússola, perderam a noção ética e moral diante dos desafios impostos ao País
pela pandemia. A inflação derrapa ladeira abaixo e a verdadeira ameaça hoje é
de que a economia entre numa espiral deflacionária, para recorrer à uma imagem
utilizada pela economista Mônica de Bolle. Mas os riscos para o BC e para a
equipe econômica do senhor Paulo Guedes mantêm-se centrados numa improvável
ameaça de alta da inflação, enquanto o País enterra seus mortos.

Balanço

·  
Em
abril, a produção de veículos atingiu o mais baixo volume desde que a indústria
do setor começou a levantar e divulgar suas estatísticas em 1957. As vendas no
mercado doméstico foram as mais baixas em duas décadas e as exportações
desabaram. Talvez tenha sido, para o setor, o pior momento da crise. Talvez
não.

·  
Pode
vir algum alívio em maio diante do tamanho tombo realizado em abril e também em
função das medidas de relaxamento adotadas por vários Estados e cidades. Os
riscos de uma recaída, com aumento nos casos de infecção e nas mortes, já que o
País não parece ter alcançado o pico na crise da coronavírus, não podem ser
negligenciados. E, neste caso, medidas de restrição mais duras poderão ser
adotadas, o que significaria mais perdas históricas para toda a economia.

·  
O
licenciamento de veículos nacionais desabou 67,7% na passagem de março para
abril, saindo de 146,46 mil para 47,368 mil unidades. A queda em relação a
abril do ano passado, quando a indústria vendeu 205,774 mil veículos, a queda
foi de 77,0%. A produção ficou limitada, no mês passado, a pífias 1.847
unidades, num tombo de 99% em relação a março (189,96 mil) e de 99,3% frente a
abril de 2019 (267,56 mil veículos montados).

·  
Entre
fábricas e concessionárias, os estoques viraram o mês de abril em 237,0 mil
unidades, o que corresponde a quatro meses de vendas se mantidos os níveis
muito reduzidos observados até o momento, de acordo com a Associação Nacional
dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

·  
Até
o final de abril, as montadoras ainda mantinham praticamente o mesmo número de
empregados registrados em março, em torno de 125,35 mil. Mas já anota a
demissão de 4,8 mil trabalhadores na comparação com os 130,15 mil empregados em
abril de 2019.

·  
No
release distribuído à imprensa, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes,
mencionou a necessidade de, em primeiro lugar, “proteger a saúde dos
funcionários” e ao mesmo tempo adotar medidas para evitar um colapso na vida do
País. “Isso exige um engajamento coordenado de toda a sociedade e também do
Estado brasileiro, com foco absoluto na saúde e na economia. Não é hora de
ruídos políticos que só desviam as atenções do que realmente interessa à população
brasileira no momento de uma crise sem precedentes”, afirmou, um dia depois de
o presidente ter conduzido uma caravana de empresários ao Supremo Tribunal
Federal (STF) para reclamar um afrouxamento nas medidas de contenção e de
isolamento social.