Terça-feira, 19 de março de 2024

Coluna

O que há por trás do avanço do investimento estrangeiro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de abril de 2021
Banco Central

Nos primeiros três meses deste ano, a entrada de investimentos estrangeiros no País experimentou crescimento de 40,3% em relação ao mesmo trimestre do ano passado, saltando de US$ 12,621 bilhões para US$ 17,709 bilhões. O número de março mostra baixa de 7,07% frente a igual mês de 2020, com o investimento baixando de US$ 7,386 bilhões para US$ 6,864 bilhões – mas ficou pouco mais de 19,0% acima da estimativa antecipada pelo Banco Central (BC) no mês passado, em torno de US$ 5,757 bilhões. O bom desempenho contrasta com uma conjuntura econômica doméstica ainda muito atribulada por conta da pandemia, demanda interna enfraquecida pelo desemprego e perda de renda.

As incertezas em relação ao futuro da economia não parecem recomendar investimentos, mas ainda assim, aparentemente, os números voltaram a ser favoráveis. Essa melhoria, no entanto, deve ser analisada com cautela, antes de soltar rojões de comemoração. O investimento acumulado em 12 meses mostra alguma reação apenas em relação aos níveis muito baixos alcançados no final de 2020. De fato, comparado ao valor acumulado nos 12 meses encerrados em dezembro passado, período em que o País registrou a entrada de US$ 34,167 bilhões, registrou-se avanço de 14,9% até março deste ano (sempre considerando a série acumulada em 12 meses), quando o investimento subiu para US$ 39,256 bilhões. Mesmo aqui, se tomado o mesmo período até março de 2020, permanece um tombo muito próximo de 43,0%, significando uma perda de US$ 29,492 bilhões diante de investimentos de US$ 68,748 bilhões realizados entre abril de 2019 e março de 2020.

Dúvida persistente

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Mas mesmo a tendência de reação no curtíssimo prazo deveria ser considerada de forma mais comedida. Uma avaliação mais detalhada dos números mostra que o crescimento registrado no primeiro trimestre esteve relacionado em larga medida a operações realizadas entre matrizes e filiais e entre empresas irmãs (ou seja, pertencentes a um mesmo grupo econômico). Claro que essas operações podem resultar na realização de investimentos de fato, mas o forte incremento observado, num cenário muito negativo e com nível de incertezas muito alto, sugere alguma coisa a mais no meio desse angu. Esse tipo de operação cruzada entre empresas, suas matrizes e filiais pode ser utilizada com propósitos tributários, por exemplo, ou objetivos outros que vão além do simples investimento.

Balanço

  • Conforme já registrado, o investimento direto no País anotou um acréscimo de US$ 5,088 bilhões entre o primeiro trimestre do ano passado e o mesmo intervalo deste ano (pois saiu de US$ 12,621 bilhões para US$ 17,709 bilhões). Na mesma comparação, o valor supostamente investido entre empresas irmãs saltou 85,87% ao sair de US$ 1,953 bilhão para US$ 3,630 bilhões (ou US$ 1,677 bilhão a mais).
  • O chamado “investimento reverso”, quando filiais de empresas brasileiras “investem” em suas matrizes no País, avançou 45,3%, passando de US$ 2,535 bilhões para US$ 3,683 bilhões (quer dizer, US$ 1,148 bilhão a mais). Ao mesmo tempo, matrizes sediadas fora do Brasil teriam investido em suas filiais brasileiras em torno de US$ 800,307 milhões entre janeiro e março deste ano, representando 44,1% a mais do que os US$ 555,234 milhões investidos no mesmo período de 2020 (acréscimo de US$ 245,073 milhões).
  • Somadas, as três modalidades de “investimento” cresceram o equivalente a US$ 3,625 bilhões, o que explicou 71,25% do aumento registrado pelo investimento estrangeiro no trimestre. A questão aqui é saber se esses recursos foram de fato destinados a novos projetos, à compra de máquinas e equipamentos para construção de novas linhas de produção, à instalação ou expansão de fábricas e, portanto, ao aumento da capacidade de produção no lado real da economia.
  • De uma forma ou de outra, a entrada desses recursos mais do que compensou o déficit de US$ 15,361 bilhões registrado na conta de transações correntes no primeiro trimestre deste ano. Por conta da crise, que reduziu drasticamente a saída de turistas, as despesas com aluguel de equipamentos importados e as remessas de lucros e dividendos para fora do País, o rombo em transações correntes manteve-se em queda, acumulado retração de 28,9% em relação ao primeiro trimestre de 2020, quando havia alcançado US$ 21,601 bilhões.
  • Os gastos com viagens internacionais, descontadas as despesas feitas aqui dentro por turistas e executivos estrangeiros, despencaram 88,0% no trimestre, de US$ 1,394 bilhão para apenas US$ 167,105 milhões, enquanto o aluguel de equipamentos caiu 53,3% (para US$ 1,693 bilhão).
  • Com os negócios em baixa aqui dentro, as remessas de lucros e dividendos relacionados a investimentos realizados por empresas estrangeiras no lado real da economia (na produção, na compra de outras empresas, por exemplo) desabaram 83,2%, encolhendo de US$ 7,611 bilhões para US$ 1,282 bilhão. Mas as remessas de lucros obtidos com investimentos especulativos (em títulos públicos e privados, nas Bolsas e em derivativos) saltaram 91,5% na mesma comparação, subindo de US$ 811,159 milhões para US$ 1,552 bilhão.
  • As reservas internacionais ficaram 2,4% menores em março, reduzidas para US$ 347,413 bilhões, diante de US$ 356,070 bilhões em fevereiro (US$ 8,657 bilhões a menos). A maior contribuição para a queda veio da venda à vista de US$ 6,6 bilhões pelo BC para tentar segurar o preço do dólar no mês passado.