Pagamento de precatórios pode ter animado o consumo no 1º trimestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de abril de 2024

O crescimento do consumo nos primeiros dois meses deste ano acima do esperado pelas cassandras econômicas, que pululam em certos meios midiáticos e financeiros, pode estar relacionado ao pagamento de precatórios que haviam sido literalmente tungados pela equipe econômica anterior. Com reforço do aumento do salário mínimo e o aumento dos recursos desembolsados para financiar programas sociais, a exemplo do Bolsa Família e outros benefícios, influenciados, nesta última categoria, pela variação do salário mínimo. Os efeitos dessa combinação de fatores sobre o nível de atividade levaram o ItaúBBA a revisar de 2,0% para 2,3% sua projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, com impacto estimado em 0,3 pontos percentuais diretamente gerado pelos precatórios.

Em relatório divulgado ontem pelo banco, as economistas Claudia Bruschi, Marina Garrido e Natalia Cotarelli avaliam a hipótese segundo a qual “a força além do esperado no consumo” estaria relacionada de alguma forma “à regularização do pagamento represado de precatórios, ocorrido na virada de 2023 para 2024”. No total, entraram na economia entre janeiro e meados de fevereiro em torno de R$ 88,7 bilhões a título de precatórios, estimando-se que perto de metade daquele valor referia-se a precatórios de caráter alimentício, que não podem ser penhorados já que correspondem a ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez. Segundo as economistas, esse tipo de precatório tende “a ter um volume menor negociado no mercado secundário e, portanto, pode gerar um impacto maior em termos de consumo”.

Desde 2022, o pagamento de precatórios havia sido limitado por efeito da Emenda Constitucional 113/21, mais conhecida como a “PEC dos Precatórios”, medida reconhecida como inconstitucional em dezembro do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O adiamento dos precatórios, além de criar uma bomba de efeito retardatário para os governos seguintes, contribuiu para a construção de um superávit primário enganoso em 2023.

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Sensibilidade à renda

O trio de economistas mostra que o impulso maior para as vendas do varejo, em sua versão mais tradicional, no primeiro bimestre deste ano, veio do avanço do consumo de bens mais sensíveis a variações da renda do consumidor. Na comparação com os níveis registrados em dezembro do ano passado, as vendas daquela categoria de produtos cresceram 2,8%, com destaque para supermercados e hipermercados, tecidos e vestuário e produtos farmacêuticos e outros artigos de uso pessoal.

Já as vendas de bens mais “sensíveis ao crédito” (quer dizer, que podem depender mais de empréstimos e financiamentos) experimentaram variação de apenas 0,3% na mesma comparação, refletindo o custo ainda muito alto do crédito. Bruschi, Garrido e Cotarelli estimam uma elevação de 3,4% para as vendas do varejo restrito no primeiro trimestre. No setor de serviços, que avançou apenas 0,4% em fevereiro frente a janeiro, o avanço no primeiro trimestre pode ter se aproximado de 1,8%.

Balanço

  • “Mais recentemente, em março de 2024”, prossegue o relatório, “o governo federal também decidiu antecipar o pagamento de aproximadamente R$ 30 bilhões dos precatórios regulares”, já previstos no orçamento deste ano. Esses precatórios referem-se a ações relacionadas a impostos e desapropriações, tendem a ser direcionados principalmente a empresas e estão sujeitos a penhora, o que significa que podem não vir a irrigar o consumo diretamente, mas utilizados no abatimento de dívidas de caráter tributário por exemplo.
  • “Esses precatórios tendem a ter efeitos menos significativos para a renda das famílias, dado que serão apenas uma realocação no tempo de valores já usualmente recebidos, com potencial apenas de mudar o padrão temporal de consumo”, apontam Bruschi, Garrido e Cotarelli. Além do mais, reforçam elas, “a avaliação do seu impacto sobre os gastos e sobre o PIB” torna-se mais complexa.
  • A distribuição dos recursos entre as regiões não foi uniforme, com praticamente um terço dos precatórios destinados a Estados do Norte, grande parte do Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal), que estão sob a jurisdição do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), seguido pelo TRF da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) e pelo TRF da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul).
  • Conforme as economistas, “os Estados com maiores valores de precatórios recebidos também foram aqueles com crescimento acima da média do país na pesquisa mensal do comércio de janeiro e fevereiro (3,3% no primeiro bimestre de 2024, na comparação com dezembro do ano passado). Especificamente, os Estados do Norte, que receberam a maior parcela dos precatórios, foram justamente os principais destaques positivos na variação mensal do volume de vendas”.
  • Para complementar, acrescentam ainda, os dados do próprio ItaúBBA “apontam que as pessoas que receberam os precatórios estão consumindo cerca de 10% mais do que as que não receberam”.
  • Em outro indício apresentado pelas economistas, a arrecadação de tributos federais mais relacionados ao consumo das famílias “seguiu forte em março, sugerindo que o varejo ainda pode continuar surpreendendo”. As receitas dos impostos sobre produtos industrializados, sobre importados e as contribuições PIS-Cofins, já desconsiderados os efeitos da desoneração dos combustíveis, crescerem 9,1% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado.
  • “É possível que parte da aceleração possa estar ligada à adoção de medidas de redução de compensação tributária implementadas pela Fazenda no ano passado. No entanto, em conjunto com os demais dados, a arrecadação mais forte corrobora um desempenho positivo do setor neste primeiro trimestre de 2024”, comentam as economistas do ItaúBBA.
  • Em outro exercício, simplificadamente, o trio de economistas estima que a “surpresa” trazida pelos resultados do varejo no primeiro bimestre deste ano em relação à previsão consensual dos mercados, traduzida em valores, pode ter alcançado em torno de R$ 15,0 bilhões, representando um terço dos valores transferidos às famílias por meio dos precatórios alimentares. Restariam, portanto, dois terços dos recursos, que poderão ser (ou o foram, em março) ao menos em parte direcionados para o consumo.