Gastos com juros respondem por quase 88% do aumento do rombo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de maio de 2024

Nos três primeiros meses deste ano, o déficit total do setor público – governo central, Estados, municípios e suas estatais – registrou um aumento de 25,28% na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, com larga contribuição, mais uma vez, dos gastos com juros. Esse tipo de medição contabiliza receitas e despesas financeiras, incluindo o serviço da dívida pública, quer dizer, o pagamento de juros e de “prestações” (amortizações) devidas sobre o saldo devedor. Assim, o chamado déficit nominal de todo o setor público avançou de R$ 123,413 bilhões no trimestre inicial de 2023 para R$ 154,607 bilhões em igual intervalo deste ano, numa variação nominal de R$ 31,194 bilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que busca aferir o volume de riquezas que o País gera, o rombo saiu de 4,78% para 5,61%.

A redução no chamado resultado primário, ou seja, a diferença entre receitas e despesas, excluídos os gastos com juros, contribuiu para o aumento do rombo geral, mas de forma apenas marginal. O fator de maior peso continuou na conta dos juros mesmo, como mostram os dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). Os governos e estatais de Estados e municípios tiveram que reservar nada menos do que R$ 209,239 bilhões apenas para fazer frente às suas despesas com juros entre janeiro e março deste ano, algo como 7,60% das riquezas produzidas no período, estimadas em alguma coisa ao redor de R$ 2,754 trilhões pelo BC.

Para comparação, esse mesmo tipo de gasto havia exigido o desembolso de R$ 181,790 bilhões no primeiro trimestre de 2023, correspondendo a 7,04% do PIB. Em 12 meses, portanto, a despesa com juros avançou 15,01% enquanto o PIB, em valores nominais, teria experimentado variação de 6,62% na estimativa do BC. O dado não desconta a variação dos preços considerados na contabilidade oficial para definir o comportamento do produto e serve apenas, no presente caso, para oferecer às raras leitoras e aos raros leitores uma referência para avaliação do comportamento daquele indicador, qual seja, o gasto com juros, ao longo do tempo.

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Cegueira seletiva

Isto posto, a comparação entre os dois períodos mostra que as despesas com juros registraram um incremento equivalente a R$ 27,449 bilhões. O rombo nominal de todas as instâncias do setor público, como visto, apresentou variação nominal de R$ 31,194 bilhões, conforme já anotado. A comparação entre essas duas variáveis permite concluir, como parece evidente (menos para a turma do “austericídio”), que o aumento dos gastos com a dívida no pagamento de juros e amortizações respondeu por 87,99% do crescimento experimentado pelo déficit nominal. Num exercício meramente hipotético, para “zerar” a conta e caso a obrigação ficasse limitada ao governo central, seria preciso sacrificar o equivalente a 30% das despesas gerais realizadas nos três primeiros meses deste ano, causando a paralisia dos serviços públicos e um colapso da administração central.

Balanço

  • Numa hipótese bem menos dramática para a gestão fiscal, caso das despesas com juros tivessem retomado os níveis de 2019, levemente abaixo de 5,0% do PIB, embora ainda em níveis excessivos, seria possível operar um corte de praticamente 47,0% no déficit nominal. A conta é mais simples no papel do que na vida real, dado o nível de alarmismo gerado pelo terrorismo fiscal em cena neste momento.
  • Numa anotação pertinente, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os governos não conseguiram até aqui reduzir o déficit público aos níveis observados antes da pandemia. Apenas para prosseguir no exercício iniciado linhas acima, no fechamento de 2019, os juros consumiram o correspondente a 4,97% do PIB. Aplicado sobre o produto estimado pelo BC para o primeiro trimestre deste ano, aquele percentual corresponderia a R$ 136,859 bilhões, o que, por sua vez, representaria um corte de 34,59% nas despesas de fato observadas na conta dos juros nos três meses analisados.
  • O rombo do setor público, nesta linha, cairia proporcionalmente muito mais, num tombo de 46,82%, de R$ 154,607 bilhões para R$ 82,227 bilhões, refletindo a redução de R$ 72,380 bilhões nos gastos com juros. Assim, o déficit nominal frente ao PIB seria reduzido de 5,61% para pouco menos de 2,99% ao longo do primeiro trimestre, o nível mais baixo em três anos.
  • Como este espaço tem buscado demonstrar, a conta dos juros continua a desempenhar um papel central no crescimento da dívida bruta do setor público, indicador que tem sido explorado pelos terroristas fiscais para apontar os riscos de insolvência e quebradeira do setor público brasileiro, diante de sua (falsa) incapacidade de honrar o serviço de sua dívida.
  • Entre dezembro do ano passado e março deste ano, o saldo da dívida bruta cresceu de fato 3,32%, elevando-se de R$ 8,079 trilhões para R$ 8,347 trilhões, num acréscimo de R$ 267,844 bilhões. Como proporção do PIB, a dívida avançou de 74,42% para 75,70%. Mas o valor dos juros nominais apropriados no período e incluídos no estoque da dívida atingiu R$ 213,243 bilhões. Traduzindo: o tamanho dos juros respondeu por 79,61% do aumento registrado pelo saldo da dívida pública bruta.
  • “Ah, mas é um só trimestre. O intervalo é muito curto”, diriam os seguidores fanáticos do ajuste fiscal a qualquer custo. Muito bem então. Tome-se o período entre o final de 2022, quando a dívida chegava a pouco menos de R$ 7,225 trilhões (71,68% do PIB), e março deste ano. O saldo devedor cresceu 15,53% no período diante de uma variação nominal do PIB de 9,40%. Aquela taxa de crescimento correspondeu à incorporação de R$ 1,122 trilhão no estoque da dívida pública bruta ao longo do período. Mas os juros pressionaram os níveis de endividamento, agregando R$ 1,029 trilhão ao saldo devido. Vale dizer, responderam por 91,73% do aumento nominal da dívida naqueles 15 meses.