Pandemia afeta “medição” das vendas e obriga IBGE a revisar seus dados

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de julho de 2021

As mudanças ditadas pela pandemia sobre rotinas e comportamentos desde março do ano passado, quando se instalou no País, têm afetado também os “termômetros” geralmente utilizados para aferir a temperatura da atividade econômica. A pesquisa mensal do comércio, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não se livrou desses efeitos, como detalhou ontem, Cristiano Santos, gerente da pesquisa, em entrevista concedida à imprensa durante a divulgação da edição mais recente desse trabalho, cobrindo maio deste ano.

Ao divulgar os dados de abril, há quatro semanas, o IBGE havia antecipado uma variação de 1,8% para as vendas do varejo convencional na comparação com março, com alta de 3,8% para o comércio em seu conceito mais amplo, incluindo revendas de veículos, motos e autopeças e as lojas de materiais de construção. Revisados agora, o instituto informa altas de 4,9% e de 5,4% respectivamente. Segundo nota divulgada pela assessoria de imprensa do IBGE, “o ajuste decorre da aplicação do algoritmo de dessazonalização, que busca calibrar os efeitos sazonais no volume de compras no comércio, como festas de Natal e Páscoa, por exemplo”. De acordo com Santos, a pandemia contribuiu para “gerar um novo cenário no comércio, com diferenças marcantes. O carnaval, por exemplo, não ocorreu neste ano. Com isso, há ajustes recorrentes que são feitos, baseados nas informações que chegaram por último, que foram inseridas naquele mês”, complementa.

Não foi a única revisão operada. Em sentido inverso, a redução de 1,1% registrada pelo volume de vendas na passagem de fevereiro para março deste ano foi ampliada e a versão revisada da pesquisa passou a apontar baixa de 3,0%. No mesmo período, o varejo ampliado passou a registrar tombo de 9,1% (diante do recuo de 5,0% anotado anteriormente). O dado de abril do ano passado, em outro exemplo, havia apontado retração de 18,8% frente ao mês imediatamente anterior, transformada em queda de 16,5% na atualização mais recente – ainda um tombo expressivo. Em maio de 2020, a alta de 13,9% registrada pela versão anterior da pesquisa foi reduzida para um incremento de 9,7%.

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Tradução comprometida?

Os transtornos causados pela pandemia no setor econômico, severamente agravados pela mortandade produzida pela omissão, descaso e arrogância ignorante, afetaram profundamente a capacidade daqueles logaritmos de traduzir os dados reais em praticamente todas as áreas da economia, dificultando uma visão mais aproximada do que de fato vem ocorrendo nesta área. Os dados mais recentes sobre as tendências em cena no comércio varejista sugerem algum ânimo para as vendas, com altas recentes na comparação mês a mês. Esse comportamento, no entanto, parece contradizer o que mostram os dados sobre a renda das famílias, por exemplo.

Balanço

  • No trimestre encerrado em abril deste ano, a massa de rendimentos reais efetivamente pagos aos trabalhadores sofreu queda de 5,4% em relação a igual período do ano passado, causando perdas de R$ 12,082 bilhões ao longo de quatro trimestres. A comparação, no entanto, conta apenas parte da história. Os números registrados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNADC) mostram que, entre o trimestre finalizado em janeiro do ano passado e o trimestre fevereiro a abril deste ano, a massa efetiva despencou 19,7% em termos reais, saindo de R$ 262,685 bilhões para R$ 210,966 bilhões – ou seja, houve uma perda de R$ 51,719 bilhões.
  • A pesquisa captura apenas os rendimentos no mercado de trabalho e não inclui, por exemplo, pensões e aposentadorias pagas pela Previdência e outras transferências de renda asseguradas por programas oficiais (como a renda mensal vitalícia e benefícios de prestação continuada, assegurados a idosos carentes, pessoas com deficiência e de baixa renda). De qualquer forma, sinalizam perdas relevantes e aparentemente não compensadas – ao menos não integralmente – pelo auxílio emergencial mitigado, em vigor desde abril deste ano.
  • O auxílio seria um dos fatores a explicar o desempenho das vendas no varejo, na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “A reedição do auxílio emergencial pago às famílias e a progressiva flexibilização das medidas restritivas, adotadas para lidar com a segunda onda de Covid-19 no País, contribuíram para revigorar o varejo nos últimos meses”, aponta o instituto.
  • Considerando o mês imediatamente anterior como base, as vendas do varejo restrito saíram de queda de 3,0% em março para altas de 4,9% e de 1,4% em abril e maio. Ainda sujeita a revisões futuras, essa variação sugere, na verdade, uma desaceleração em maio, causada pelas taxas comparativamente mais baixas experimentadas nos setores de móveis e eletrodomésticos (alta de 19,0% em abril e variação de 0,6% em maio), farmácias (baixa de 1,4% em maio, depois de flutuação de 0,1% em abril), material de escritório, informática e comunicação (11,5% e 3,3% respectivamente em abril e maio) e artigos de uso pessoal e doméstico (22,5% e 6,7%).
  • Da mesma forma, no varejo amplo, as vendas de veículos e de materiais de construção, que haviam crescido 20,3% e 8,2% em abril, pela ordem, apresentaram em maio incremento de 1,0% e de 5,0%.
  • Goiás foi o único destaque negativo entre os Estados, quando se trata do varejo restrito, apresentando recuo de 0,3% na saída de abril para maio. Por aqui, as vendas chegaram a baixar 7,8% em março, saltaram 7,9% em abril para recuar em maio. Na comparação com os mesmos meses de 2020, quando as vendas haviam despencado, há forte e enganoso crescimento, exatamente porque a base para comparação é muito achatada. Ainda assim, o varejo goiano acompanha a desaceleração geral, com a taxa de crescimento das vendas saindo de 27,9% em abril para 10,7% em maio no varejo restrito. No comércio amplo, o crescimento chegou a 26,0%, depois do salto de 51,2% registrado em abril.