Coluna

Paralisados, governo e equipe econômica menosprezam possíveis estragos da crise

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 11 de março de 2020

Os
mercados pareciam respirar com algum alívio ontem, depois dos momentos de
verdadeiro pânico vivenciados no dia anterior. As bolsas de valores subiram
aqui e nos Estados Unidos, por exemplo, mas continuaram em baixa na Europa. O
dólar recuou para algo em torno de R$ 4,64 (baixa de 1,77%) diante das
intervenções maciças do Banco Central (BC), estimadas em alguma coisa da ordem de
US$ 4,5 bilhões entre segunda-feira e ontem. A moeda norte-americana perdeu
terreno na maior parte dos países emergentes (com exceção para o México),
diante dos anúncios e/ou promessas de redução dos juros, maior injeção de
crédito, socorro a empresas mais afetadas pela queda de receitas causada pelo
surto do novo coronovírus, ajuda a trabalhadores afetados pela epidemia e até
adiamento de impostos em diversos países – novamente, com exceção para a turma
europeia, que tem preferido esperar por uma atuação mais firme do Banco Central
Europeu via aumento da liquidez – dinheiro vivo – no setor financeiro.

Por
aqui, entre a “supertranquilidade” do “superministro” e manifestações de
cautela e temor de analistas e porta-vozes do mercado financeiro, o líder-mor prefere
enxergar mais uma maquinação da imprensa contra seu governo – o que deveria
deixar seus apoiadores nos mercados de cabelos em pé. Os governos ao redor do
mundo buscam adotar, em grande medida, as políticas sugeridas em relatório
divulgado há uma semana pela Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação
Econômica (OCDE), o clube de países ricos ao qual o governo brasileiro tanto
sonha em pertencer. Esse mesmo governo e sua equipe econômica parecem
paralisados, numa imobilidade que sugere muito sobre a sua (falta de)
capacidade para reagir a crises.

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Imobilidade

Acenar
com as tais reformas, a esta altura, não parece exatamente uma solução para as
dificuldades que se avizinham, diante dos sinais de forte desaquecimento da
atividade econômica mundial. As reformas sugeridas – tributária, administrativa
– têm foco no longo prazo, não resolvem problemas de agora e há sérias dúvidas
se resolverão qualquer tipo de problema em qualquer momento.A equipe econômica
precisa estabelecer uma política de curto prazo para aliviar os efeitos da
desaceleração global sobre a economia brasileira. Se ainda é cedo para avaliar
o tamanho desses estragos, visto que não se sabe ainda qual deverá ser a
extensão do surto de coronavírus, talvez fique tarde demais para reagir quando
esses impactos estiverem já plenamente estabelecidos.Pode-se antecipar, desde
já, que o primeiro trimestre deverá ser crítico, para dizer o mínimo, não só
pelo ataque virótico, mas também pela “guerra” não declarada entre Arábia
Saudita e Rússia.

Balanço

·  
O
reino saudita antecipou que pretende colocar no mercado em abril algo como 12,3
milhões de barris por dia, nada mais, nada menos do que praticamente 25% acima
do volume normalmente fornecido pelo país nos meses anteriores. O lado bom (?),
como tem destacado o maior pensador econômico do Brasil desde as eleições de
2018, é que os preços vão cair.

·  
Parece
bom, não é? Petróleo barato ajuda a reduzir custos de combustíveis, mantém as
taxas de inflação em baixa, o que favorece a renda de assalariados e de suas
famílias. Mas a redução muito forte nos preços internacionais do barril, num
momento de incertezas e turbulências, vai afetar a saúde financeira dos países
exportadores do óleo e de seus derivados, gerando uma espécie de “choque do
petróleo às avessas”.

·  
Com
dificuldades para gerar receitas, aqueles países vão igualmente reduzir
investimentos e projetos de expansão, cortando encomendas de máquinas,
equipamentos e serviços em escala global, ajudando a esfriar ainda mais a
economia em todo o mundo e comprometendo as perspectivas futuras de aumento da
produção de petróleo.

·  
A
esta altura, a equipe econômica já deveria estar trabalhando na construção de
políticas compensatórias, de socorro a empresas de menor porte e que possam vir
a enfrentar problemas de caixa. Assim como em programas para ampliação da
oferta de crédito a custos mais baixos, inclusive para as famílias mais
endividadas e que tenham sido mais atingidas pelo surto do coronavírus. O cardápio
poderia contemplar, por exemplo, algum tipo de ação coordenada pelo BC e
envolvendo os principais bancos públicos e privados para baratear o custo do
dinheiro e evitar uma escalada da inadimplência.

·  

caminhos para amenizar os efeitos da crise, mas estes exigem trabalho,
coordenação e inteligência. Itens escassos nos gabinetes de Brasília.

·  
Enquanto
isso, a indústria parece ter conseguido respirar com algum alívio em janeiro
(antes do coronavírus). A produção industrial, na medição do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), anotou variação de 0,9% em relação ao mês
imediatamente anterior, saindo de perdas de 1,6% e de 0,8% em novembro e
dezembro. Mas recuou 0,9% sobre janeiro de 2019 (depois de cair 1,7% e 1,2% nos
dois meses anteriores, comparando com novembro e dezembro de 2018). O alívio
veio sobre uma base reduzida e ainda sugere baixa capacidade de reação do
setor. Se o surto for debelado rapidamente, as perspectivas continuam sendo de
crescimento apenas modesto.