Patrimônio dos donos do dinheiro ganha R$ 4,8 tri em apenas 4 anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de fevereiro de 2024

Entre altos e baixos, a já afamada “bolsa juros” continua turbinando o patrimônio dos donos do dinheiro no País, grupo formado pelos muito ricos, aqueles que dispõem de reservas para participar dos ganhos propiciados pelo cassino financeiro, sustentados pelo governo brasileiro e sua política de juros altos. Ao fim e ao cabo, é esse o “público alvo” das medidas de austeridade defendidas por um esquadrão de economistas ortodoxos, à falta de uma denominação mais apropriada e condizente com a realidade, comentaristas e analistas a soldo dos mercados. Afinal, ao cortar despesas que ajudam a sustentar políticas públicas e uma ainda incipiente rede de proteção social, o objetivo último é fazer sobrar recursos para pagar os encargos da dívida pública, vale dizer, juros e amortizações.

Na prática, o “esquadrão do austericídio” defende o enxugamento dos recursos reservados a milhões de famílias mais pobres e seu desvio para os donos do dinheiro que multiplicam suas fortunas no mercado financeiro, numa redistribuição de renda às avessas. Chamam isso de “eficiência” no trato dos recursos públicos, embora tenha mais a ver com um achaque aos desafortunados e os dados concretos do Banco Central (BC) mostrem que os muito ricos não têm motivos para queixas.

A soma dos ativos financeiros estacionados no mercado financeiro, envolvendo os recursos aplicados em títulos federais e privados, quotas em fundos de investimento, a prosaica caderneta de poupança e haveres em poder de não residentes, experimentou salto nominal de 65,49% entre dezembro de 2019 e o último mês do ano passado, avançando de R$ 7,302 trilhões para R$ 12,084 trilhões – quer dizer, um acréscimo de R$ 4,782 trilhões no período. A valores atualizados até dezembro de 2023 com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a “riqueza financeira” registrou elevação de 28,51%.

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“Bolsa juros” x Bolsa Família

Se entre 2019 e 2023 o estoque de ativos financeiros em poder dos muito ricos engordou R$ 4,782 trilhões, como já registrado, os recursos destinados ao programa Bolsa Família e Auxílio Brasil somaram em torno de R$ 332,199 bilhões no mesmo intervalo, em valores não atualizados com base na inflação. Mais diretamente, a “bolsa juros” ofereceu aos muito ricos a oportunidade de multiplicar seu patrimônio em valores correspondentes a 14,4 vezes todo o gasto do governo com milhões de famílias de renda mais baixa. Conforme dados de fevereiro deste ano, o Bolsa Família deverá beneficiar pouco mais de 21,06 milhões famílias, que receberão um benefício médio ao redor de R$ 686,10 cada uma, somando um total de R$ 14,450 bilhões naquele mês em números aproximados, algum coisa ao redor de R$ 173,40 bilhões, projetando-se o mesmo valor para 12 meses – uma fração correspondente a pouco mais de 13,0% do aumento experimentado pelo patrimônio dos mais ricos do País em um ano. Vale dizer, em apenas um ano, o aumento patrimonial em benefício dos muito ricos, considerando os dados de 2023, foi quase oito vezes maior do que o benefício a ser recebido por pouco mais de 21,0 milhões famílias.

Balanço

  • Na série estatística do BC, a relação entre o estoque de ativos financeiros e o total de riquezas geradas pelo lado real da economia, consolidadas no Produto Interno Bruto (PIB), atingiu seu nível mais elevado, atingindo 111,91% diante de 106,61% em 2022. Essa relação superou os 100% pelo quarto ano consecutivo, numa sequência iniciada, não por coincidência, em 2020, num dos períodos mais dramáticos da pandemia. Naquele ano, o saldo dos ativos financeiros havia crescido 19,63% em relação a 2019, saindo de R$ 7,302 trilhões para R$ 8,735 trilhões, e passou a representar 110,06% do produto total, diante de 98,82% um ano antes. Em 2015, a “riqueza financeira” havia representado 91,61% do PIB, enquanto a taxa básica de juros flutuava entre 11,75% na primeira metade daquele ano e 14,25% ao ano a partir do final de julho, “atraindo” algo como R$ 5,493 trilhões.
  • Ao longo de 2019, os juros básicos variaram entre 6,50% até julho, baixando gradualmente para 4,50%, considerando a taxa definida pelo Conselho de Política Monetária (Copom) no começo de dezembro do mesmo ano. Em agosto do ano seguinte, em plena pandemia, o Copom cortou os juros básicos para apenas 2,0% ao ano, mantendo o mesmo nível até março de 2021, quando a taxa foi elevada para 2,75%, escalando até 13,75% em agosto de 2022. O primeiro corte, na série mais recente, veio apenas 12 meses depois, com os juros básicos recuando para 13,25%. Em janeiro deste ano, a taxa foi reduzida para 11,25%, num corte de 2,5 pontos em seis meses.
  • No período que cobre as duas últimas administrações e o final do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, encerrado prematuramente num golpe parlamentar, o estoque de ativos financeiros em poder dos muito ricos, universo que inclui, obviamente, o setor financeiro e seus operadores, havia experimentado um salto de 95,64% em termos nominais, elevando-se de R$ 5,493 trilhões em dezembro de 2015 para quase R$ 10,746 trilhões no final de 2022 (ou seja, um incremento de R$ 5,253 trilhões).
  • Na passagem de dezembro de 2022 para igual mês de 2023, o saldo dos ativos em circulação no mercado financeiro experimentou crescimento nominal de 12,46% diante de uma taxa de inflação de 4,62% no mesmo período, indicando um ganho real de 7,49% aproximadamente. O estoque anotou elevação de praticamente R$ 1,339 trilhão naqueles 12 meses, subindo de R$ 10,746 trilhões para R$ 12,084 trilhões, conforme já anotado. O acréscimo em apenas um ano foi equivalente a quase 28,0% de todo o aumento registrado em quatro anos.
  • O mercado de títulos privados emitidos pelo sistema financeiro nacional responde por quase 59% do aumento anotado pelo estoque de ativos financeiros, com os valores passando de R$ 3,458 trilhões para R$ 4,246 trilhões ao longo do ano passado, num acréscimo de R$ 788,239 bilhões.