Patrimônio dos donos do dinheiro supera PIB em mais de sete vezes

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de maio de 2024

O patrimônio financeiro bruto dos brasileiros endinheirados atingiu qualquer coisa próxima a R$ 77,644 trilhões no final do ano passado, correspondendo a nada mais, nada menos do que 7,15 vezes mais do que toda a riqueza produzida ao longo do ano passado pelo lado real da economia. Para comparar, o Produto Interno Bruto (PIB) havia alcançado em torno de R$ 10,856 trilhões em 2023, a valores nominais. Os dados estão no relatório do Banco Central (BC) sobre a chamada “matriz do patrimônio financeiro” do País e mostram um crescimento de 59,57% nos ativos financeiros brutos na comparação com 2018, quando o estoque somava, incluindo recursos aportados aqui dentro por pessoas não residentes no País, ao redor de R$ 48,658 trilhões – algo como 6,95 vezes mais do que o PIB.

Pode parecer inacreditável que menos de 14% de toda essa montanha de dinheiro tenha se transformado em bens e serviços reais, consumidos por toda a população. Mas tem sido assim no verdadeiro “paraíso fiscal” estabelecido no Brasil para favorecer os muito ricos, que pagam proporcionalmente menos impostos do que as famílias de renda mais reduzida, ganhando ainda de “presente” a oportunidade de lucrar alguns bilhões de reais no “cassino dos juros altos”. Diante de dados assim, soa um tanto despropositado, para dizer o mínimo, que o “batalhão do austericídio”, os “loucos por ajuste fiscal” insistam em cortes de gastos, “desvinculação” dos recursos reservados para educação e saúde, que favorecem exatamente os mais pobres, e desprezem solenemente as distorções que agravam a concentração da renda e de riquezas, tornando o Brasil cada vez mais desigual e injusto.

O que é

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O patrimônio financeiro da economia é formado basicamente por ativos financeiros como títulos de dívida (papéis emitidos por empresas e pelo governo), ações e participações acionárias, sejam elas cotadas em Bolsa ou não, cotas em fundos de investimento, empréstimos, depósitos em dinheiro, além de seguros e previdência. Os valores considerados acima incluem ainda o que as contas nacionais consideram como “posições intersetoriais”, que correspondem a saldos de aplicações, empréstimos e demais instrumentos financeiros em que credores e devedores participam de um mesmo setor ou segmento da economia. Conforme o BC, o conceito inclui “ativos do governo geral contra o próprio governo geral (por exemplo, empréstimos do governo federal aos Estados e municípios), cotas de fundos de investimento em outros fundos de investimento, investimentos em ações de sociedades não financeiras em outras instituições do mesmo tipo, operações entre o setor financeiro envolvendo empréstimos, depósitos, títulos e ações, e aplicações de seguradoras em outras seguradoras” (o chamado resseguro). Em média, registra ainda o BC, os saldos intrasetoriais representam ao redor de 18% do patrimônio financeiro bruto.

Balanço

  • Medido em valores nominais, sem descontar a inflação, o PIB brasileiro cresceu 55,0% entre 2018 e 2023, abaixo, portanto, da variação acumulada pelo saldo de ativos financeiros na economia. Enquanto o lado real da economia acrescentou R$ 3,852 trilhões ao total das riquezas geradas no mesmo período, os ativos registraram um acréscimo ligeiramente acima de R$ 28,985 trilhões, quer dizer, pouco mais de sete vezes e meia mais do que o valor dos novos bens e serviços agregados ao conjunto da economia.
  • Na passagem de 2022 para 2023, o estoque de ativos financeiros experimentou avanço de 7,17%, saindo de R$ 72,451 trilhões, aproximadamente 7,19 vezes o tamanho do PIB, numa variação correspondente a R$ 5,193 bilhões. Nesta comparação, especificamente, o PIB chegou a crescer mais, proporcionalmente, variando 7,70% ainda em termos nominais. Isso representou um acréscimo de R$ 776,435 bilhões à renda nacional – mas o equivalente a menos de 15,0% de todo o dinheiro a mais direcionado para os ativos financeiros disponíveis domesticamente.
  • No ano passado, de acordo com o BC, perto de 25% do patrimônio financeiro consolidado do País estavam alocados em títulos de dívida (seja debêntures, emitidas por empresas, ou papéis da dívida pública, entre outros). Uma parcela próxima de 24% estava estacionada em ações e participações, com 19% correspondendo a empréstimos em geral, 13% em cotas de fundos de investimento, 9% eram depósitos e 4% representavam seguros e Previdência.
  • Na curta série de dados do BC, o patrimônio financeiro experimentou taxas mais elevadas de crescimento justamente durante o ano mais crítico da pandemia. Entre 2019 e 2020, registrou aumento de 14,0% no estoque de ativos, que subiram de R$ 54,275 trilhões para R$ 61,876 trilhões em números aproximados. Essa montanha de dinheiro chegou a superar o PIB em 8,13 vezes em 2020, saindo de 7,35 vezes um ano antes.
  • Excluídos os ativos em poder do BC e do governo geral, o patrimônio restante somou R$ 68,623 trilhões no ano passado, ou 6,32 vezes mais do que o PIB, praticamente mantendo a mesma relação de 2022, quando havia atingido R$ 63,796 bilhões. Em um ano, a variação chegou a 7,57%, com salto acumulado de 66,45% desde 2018, período em que os ativos de empresas, famílias e instituições financeiras havia se aproximado de R$ 41,228 trilhões (5,89 vezes maior do que o PIB).
  • Igualmente em relação a 2018, o patrimônio financeiro das famílias e de sociedades não financeiras cresceram 73,44% e 63,72% respectivamente, saltando de R$ 7,966 trilhões e R$ 7,545 trilhões, na mesma ordem, para R$ 13,816 trilhões e pouco menos de R$ 12,354 trilhões. Como se percebe, os ativos em poder das famílias passaram a superar o patrimônio das sociedades não financeiras em 2023, embora ambos guardassem distância pouco desprezível em relação aos ativos do setor financeiro, que alcançaram R$ 36,925 trilhões em 2023, crescendo 57,28% desde 2018.
  • Os ativos do governo geral, basicamente disponibilidades e ações de estatais, somavam R$ 4,922 trilhões em 2023 (24,74% acima dos valores anotados em 2018), para um passivo de R$ 10,674 trilhões. Como o passivo aumentou 44,87% em cinco anos, o passivo líquido do governo apresentou alta de 68,08%, saindo de R$ 3,422 trilhões (48,85% do PIB) para R$ 5,752 trilhões (52,98% do PIB).
  • O percentual, de toda forma, está abaixo da taxa de endividamento regularmente indicada nas estatísticas oficiais. Nas estatísticas do BC, a dívida líquida do governo geral correspondia a 60,07% ao final de 2023.
  • Como curiosidade, o passivo líquido das sociedades não financeiras ao final do ano passado superava todo o passivo do governo geral em 52,48%, já que atingia R$ 8,770 trilhões em dezembro de 2023, correspondendo a 80,79% do PIB.