Polêmica (desnecessária) em torno da mudança da “nota” de Goiás

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de dezembro de 2023

Uma leitura enviesada do Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, divulgado na quarta-feira, dia 6, pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), levou a uma polêmica desnecessária, sob o risco de produzir um acirramento de ânimos indesejada e pouco producente. Até aqui, os principais impactos da “mudança” na nota atribuída pelo Tesouro à capacidade de pagamento do Estado, mais conhecida entre os meios contábeis pela famigerada sigla Capag, ocorrem na esfera política, como mostra a reação desproporcional do governo estadual.

Diante da nova classificação, o Estado em tese deixaria de receber o aval do Tesouro, caso venha a buscar a contratação de alguma operação de crédito daqui para frente. Esse obstáculo, no entanto, pode ser contornado por meio de negociações, como já ocorreu em outras ocasiões, considerando exatamente os dados à disposição da STN, que atestariam, como aponta a Secretaria da Economia do Estado, a evolução positiva da situação fiscal do Estado.

Em nota oficial, divulgada na mesma quarta-feira e atualizada ontem, a secretaria considera que o rebaixamento da nota estadual teria sido decidido “sob o argumento de que houve deterioração na situação financeira do Estado de Goiás em 2022, afirmando que a manifestação de Goiás no âmbito da Ação Cível Originária (ACO) nº 3.262 evidenciava fragilidade financeira”. A leitura do boletim da STN permite interpretação diversa e não parece referendar a visão estadual, ao menos não com a mesma carga de belicosidade sugerida, muito ao gosto do ocupante eventual do Palácio das Esmeraldas – o que não parece ser mera coincidência.

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Interpretações diversas

Nos termos do boletim, “Pernambuco, Goiás e Rio de Janeiro passaram das notas B, B e C para as respectivas notas C, C e D. No caso dos dois últimos, suas notas foram revistas para baixo em virtude dos efeitos distorcivos sobre a Capag que resultam da suspensão de dívidas do Regime de Recuperação Fiscal (RRF)”. Num trecho mais adiante, o boletim reforça que a participação de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul naquele regime especial levou à revisão para baixo de suas respectivas classificações no ranking da STN, já que “não possuem indicadores individuais calculados”. Na visão das Secretaria da Economia, “Não há dispositivo legal que sustente que a mera permanência no RRF deveria gerar reclassificação da Capag”.

Balanço

  • O RRF permite reduzir temporariamente obrigações financeiras relacionadas a dívidas contratadas pelos Estados à União, o que afetaria indicadores de liquidez (relação entre o caixa disponível líquido de recursos vinculados e obrigações financeiras) e de endividamento, podendo de fato distorcer aqueles índices.
  • Desde de 2022, no entanto, como detalha o boletim, a STN já vinha adotando ajustes necessários para evitar aquele tipo de distorção, procedimento aparentemente deixado de lado desta vez, o que parece dar alguma razão à Secretaria da Economia – até mesmo porque, o próprio boletim, ao detalhar os diversos indicadores da gestão fiscal em todos os entes estaduais, apresenta informações mais precisas e ajustadas sobre a situação do Estado.
  • A mudança na forma de avaliar as contas poderia ser até mesmo contestada tecnicamente, mas isso não parece justificar o ataque subsequente, quando a nota oficial assinada pela secretaria, indica que “a reclassificação pode sugerir uma retaliação ao fato de o Estado ter ingressado” com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para alterar os conceitos que definem o draconiano teto de gastos fixado pela Lei Complementar 156, de 2016, e suspender a aplicação de penalidades por um eventual descumprimento daquele teto pelo Estado ao longo deste ano.
  • O boletim relata a situação de Santa Catarina, que igualmente move ação no STF com o objetivo de “suspender a aplicação de penalidade pela União, bem como estabelecer metodologia de apuração do teto de gastos distinta da constante na” legislação em vigor. Para em seguida mencionar o caso goiano, mostrando que Goiás antecipa-se a uma apuração que só ocorrerá em 2024, quando a STN averiguará se o teto de gastos foi cumprido ou não.
  • A secretaria estadual lembra que, no ano passado, Goiás já estava enquadrado no RRF quando recebeu a classificação “B” (que autoriza a contratação de empréstimos com o aval do Tesouro), mesmo depois de ajustes aplicados pela STN nos indicadores da Capag. “Neste exercício, ainda que os mesmos ajustes fossem realizados, o Estado ainda manteria sua classificação”, sustenta a secretaria.
  • A questão poderia ter sido discutida tecnicamente entre as duas partes, sem a necessidade de recorrer à uma retórica mais inflamada. Os dados do boletim mostram, por exemplo, que a relação entre a dívida estadual consolidada e a receita corrente líquida baixou de 54,1% para 47,2% entre 2021 e 2022 (ano base para o cálculo da Capag de 2023) e os níveis de liquidez foram elevados de 19,0% para 22,5% das receitas – o segundo melhor resultado entre os Estados, atrás apenas do Paraná, que sustentou uma relação de 27,1%. A disponibilidade líquida de caixa, descontadas obrigações financeiras, restos a pagar empenhados e não pagos ou não liquidados e recursos vinculados, experimentou salto de 49,9% ao passar de R$ 3,916 bilhões para R$ 5,870 bilhões.
  • A relação entre despesas com pessoal e a receita corrente líquida subiu de 46,5% para 48,3% e aproximou-se do teto de 48,6%, mas já havia baixado para 43,86% no acumulado entre janeiro e agosto deste ano, conforme o Relatório da Gestão Fiscal relativo ao segundo quadrimestre deste ano. Uma dose a mais de diplomacia, descartada de saída pelo governo estadual, teria maiores chances de produzir resultados menos danosos aos interesses do Estado.