“Riqueza financeira” supera PIB, mas renda das famílias cresce mais

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de agosto de 2023

Excluída a boa e velha caderneta de poupança, o estoque do que se pode chamar de “riqueza financeira” ultrapassou o valor do Produto Interno Bruto (PIB) em junho deste ano. Vale dizer, os recursos acumulados pelos donos da grana no Brasil, que não geram um só conjunto de porca e parafuso e nem criam empregos, passaram a superar toda a riqueza produzida pelo lado real da economia, aquela que produz bens, serviços, empregos e renda para todas as famílias. O estoque de ativos financeiros, reunindo aplicações em títulos públicos e privados, quotas em fundos de investimento e outros haveres, incluindo investidores residentes e não residentes, avançou de qualquer coisa muito próxima de R$ 9,143 trilhões em junho do ano passado para pouco mais de R$ 10,333 trilhões, crescendo 13,02%, num acréscimo de R$ 1,190 trilhão em 12 meses.

Na estimativa do Banco Central (BC), que divulga mensalmente as estatísticas sobre o mercado de crédito e a política monetária, o PIB entre junho de 2022 e o mesmo mês deste ano, acumulado em 12 meses, registrou elevação nominal de 10,34%, sem descontar a inflação, passando de R$ 9,352 trilhões, em valores aproximados, para algo em torno de R$ 10,319 trilhões (R$ 967,316 bilhões a mais). A especulação, como parece evidente, atraiu mais recursos do que o lado real da economia foi capaz de gerar, o que elevou a relação entre haveres financeiros (ainda com a exclusão da poupança) e o PIB de 97,77% para 100,13%.

A diferença, numa tendência contrária àquela observada até recentemente, é que a renda bruta disponível das famílias avançou de forma mais acelerada, quando considerados os rendimentos acumulados em 12 meses, muito embora o tamanho dos haveres financeiros seja ainda consideravelmente mais elevado. A renda disponível bruta das famílias, na estimativa mais uma vez do BC, aumentou 14,20% naquela mesma comparação, evoluindo de pouco menos de R$ 6,159 trilhões nos 12 meses finalizados em junho de 2022 para algo levemente acima de R$ 7,033 trilhões no mesmo mês deste ano.

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Abismo

Os números sugerem um “ganho” para as famílias correspondente a R$ 874,409 bilhões, sempre em valores nominais, sem descontar a inflação decorrida no período. A relação entre renda e PIB, da mesma forma, avançou de 65,86% para 68,16%. A “distância” entre o total de haveres financeiros e a renda ficou ligeiramente menor, ainda que o abismo entre as duas pontas tenha se mantido muito próximo de 32% do PIB. Comparada à renda, a “riqueza financeira” manteve-se 46,92% maior, relação que havia sido de 48,45% em junho do ano passado. Para deixar claro: o estoque dos haveres financeiros em junho deste ano era praticamente R$ 3,30 trilhões maior do que a renda recebida por todas as famílias, o que correspondia, por sua vez, a 341,98% do PIB.

Balanço

  • O conceito de renda bruta disponível considera os rendimentos do trabalho, renda de aluguéis, juros e rendimentos líquidos de aplicações financeiras e de outras formas de investimento, dividendos e lucros distribuídos pelas empresas, aposentadorias, pensões, abono e seguro desemprego, benefícios de prestação continuada, Bolsa Família e outros benefícios de assistência social. Esses valores são descontados de impostos que incidem sobre a renda e o patrimônio das famílias (a exemplo do IPTU), contribuições pagas à Previdência e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outras transferências de renda das famílias para outras instituições e para o exterior.
  • O avanço registrado, portanto, pode estar relacionado com os ajustes aplicados aos valores dos benefícios sociais pagos pelo governo, destacadamente no caso do Bolsa Família, já que o benefício médio por família saltou de R$ 607 em dezembro do ano passado para R$ 705 em junho deste ano, depois de ter alcançado R$ 672 em maio passado. Apenas para comparação, esse valor havia sido de R$ 224 em dezembro de 2021. Desde lá, portanto, o benefício médio do programa foi aumentado em 214,7%.
  • Entre os haveres financeiros, o maior ganho foi registrado pelas aplicações em títulos privados, que subiram de R$ 3,076 trilhões em junho do ano passado para R$ 3,861 trilhões no mesmo mês deste ano, numa variação de 25,51%. Entre aqueles dois meses, esse tipo de aplicação “engordou” em R$ 784,790 bilhões e respondeu por 65,93% do crescimento anotado pelo total dos haveres em igual intervalo.
  • Proporcionalmente, o segundo maior incremento foi registrado pelos haveres detidos por não residentes, sejam estrangeiros ou brasileiros que moram fora do País. O saldo desses haveres anotou crescimento de 11,24% ao avançar de R$ 621,091 bilhões para R$ 690,886 bilhões (ou seja, R$ 69,795 bilhões a mais). Na sequência, as aplicações em títulos federais saíram de R$ 886,902 bilhões para R$ 966,809 bilhões, numa variação de 9,01% (R$ 79,907 bilhões a mais). Os recursos alocados a fundos de investimento anotaram variação de 6,20%, saindo de R$ 4,329 trilhões para R$ 4,597 trilhões, quer dizer, em torno de R$ 268,269 bilhões a mais, correspondendo a uma contribuição de 22,54% para o crescimento geral dos haveres.
  • As operações compromissadas com títulos públicos e privados, correspondendo a vendas de papéis mediante o compromisso de recompra, sofreram redução de 5,38%, de R$ 229,766 bilhões para R$ 217,409 bilhões (perto de R$ 12,357 bilhões a menos).
  • A poupança tem de fato perdido recursos nos últimos meses, aparentemente por motivos relacionados, de um lado, à necessidade das famílias de complementar o orçamento e, de outro lado, na ponta mais favorecida pelo processo de brutal concentração da renda no País, pelas oportunidades de ganhos muito mais polpudos oferecidos por aplicações que conseguem acompanhar os juros básicos impostos à economia pelo BC. O saldo das poupanças recuou 4,77% desde junho do ano passado, encolhendo de R$ 1,016 trilhão para R$ 967,484 bilhões, numa perda de R$ 48,507 bilhões.