Teimosia burra e a queda de 9,2% nos custos da indústria

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 04 de julho de 2023

Numa mudança de posição em relação aos primeiros sinais emitidos pelo Comitê de Política Monetária (Copom), o presidente do Banco Central (BC), senhor Roberto Campos Neto, comunicou à imprensa na semana passada que o colegiado teria deixado a “porta aberta” para uma possível redução da taxa básica de juros a partir de agosto, quando o colegiado voltará a se reunir. Se e quando vier a ser confirmada essa disposição antecipada por Campos, o Neto, o corte esperado pelos mercados parece ainda tímido o suficiente para manter a economia em estado letárgico ao longo do restante do ano, numa teimosia burra, que desconsidera dados da realidade.

A edição mais recente do relatório Focus, ferramenta utilizada pelo BC para apurar o ânimo do mercado financeiro, sugere uma redução dos juros de 13,75% para 12,0% no final deste ano, o que corresponderia, por óbvio, a uma redução de 1,75 pontos percentuais – o que manteria a taxa real de juros, descontada a inflação esperada para os 12 meses seguintes, muito próxima de 8,0%. De toda forma, há quatro semanas os mercados apostavam em juros de 12,50%, reduzindo a projeção para 12,25% na semana encerrada no dia 23 de junho último. Considerando a mesma sequência, a inflação esperada para este ano, ainda na visão do setor financeiro, havia recuado de 5,69% há 30 dias para 5,06% no levantamento concluído no dia 23, caindo para 4,98% na versão mais recente do relatório, que passou a projetar 3,92% para a inflação de 2024 (não muito distante dos 4,12% registrados quatro semanas antes).

Os “ajustes” nas projeções parecem excessivamente conservadores, para dizer o mínimo, quando se considera o cenário de queda persistente nos custos industriais, o que tenderá a favorecer uma redução nos focos de pressão inflacionária na ponta final, ou seja, nos preços cobrados do consumidor. A intensidade da queda dos preços na indústria reforça, mais uma vez, a necessidade e a oportunidade de uma queda mais rápida e imediata dos juros básicos.

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Tombo histórico

No dado mais recente, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Produtor (IPP), que mede as variações de custos nas indústrias extrativas e de transformação, ampliou a tendência de baixa, saindo de recuo de 0,35% em abril para uma redução de 3,07% em maio. Foram quatro quedas mensais consecutivas, fazendo o indicador sofrer queda de 4,32% entre janeiro e maio, acumulando baixa de 4,04% nos cinco primeiros meses deste ano em relação a igual período do ano passado, maior queda para o período desde que esse tipo de pesquisa começou a ser realizado pelo instituto, em 2014. Em 12 meses, os custos industriais, na média, despencaram nada menos do que 9,20%, no que havia sido, até ali, também o maior tombo em toda a série histórica do índice. Para comparação, em maio do ano passado, o IPP havia saltado 19,12% frente ao mesmo mês de 2021. Os custos industriais, na série estatística do IBGE, retomaram níveis muito próximos aqueles registrados em outubro de 2021.

Balanço

  • As baixas foram generalizadas em maio, atingindo 20 ou 83% de todos os 24 setores de atividade acompanhados pelo IBGE. Em abril, 13 foram atingidos por quedas de preços, representando 54% dos segmentos investigados. A queda dos custos no acumulado entre janeiro e maio foi determinada por 67% dos segmentos, somando 16 com preços mais baixos do que na média registrada entre janeiro e maio do ano passado. Para comparar, até abril, apenas meia dúzia de setores (um quarto do total) chegaram a apresentar queda de preços.
  • Tomando a variação acumulada nos 12 meses encerrados em maio deste ano, o IPP desabou 26,15% nas indústrias extrativas, com barateamento dos custos de óleos brutos de petróleo, minério de ferro, gás natural e minérios de cobre, principalmente. Na indústria de transformação, a queda alcançou 8,15% também em 12 meses.
  • A redução dos preços na porta da indústria tenderá pelo menos a amenizar os efeitos da mudança na tributação dos combustíveis, preservando a tendência de “desinflação” (redução das taxas mensais de inflação), o que mais uma vez desautoriza o conservadorismo cego do BC e de sua equipe.
  • Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), apurado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), encerrou junho com recuo de 0,10%, com taxas negativas para os custos da alimentação (-0,36%) e transportes (-1,14%). Acumulado em 12 meses, o índice apontou variação de apenas 2,22%. Se o IPC-S fosse considerado na medição da inflação oficial do País, a taxa estaria 1,03 pontos abaixo do centro da meta inflacionária de 3,25% fixada para 2023.
  • A baixa nos preços dos alimentos foi intensificada ao longo das últimas semanas, principalmente por conta das reduções de 7,31% e de 2,0% observadas, respectivamente, para os custos do óleo de soja e do leite longa vida. No grupo transportes, a tendência mais recente tem sido de perda de força na queda dos preços, sob influência especialmente dos preços da gasolina, que saíram de queda de 2,85% na quadrissemana terminada em 22 de junho para uma redução de 0,29% até 30 de junho (o que sugere alguma elevação dos preços na bomba na semana final do mês passado). A redução do etanol também ganhou novo ritmo, mas a taxa ainda fico negativa em 6,08% (diante de 7,48% nas quatro semanas encerradas no dia 22 de junho).
  • A alta de 4,77% nos preços das passagens aéreas, depois de queda de 2,45% em 30 dias até 22 de junho, afetou o comportamento médio dos preços do grupo educação, leitura e recreação (que passou de -0,33% até 22 de junho para uma taxa positiva de 0,87% nas quatro semanas do mesmo mês).