Central Única das Favelas revela que 509 regiões goianas vivem em extrema pobreza; entenda os dados

Regiany mora com o marido e três filhos em um barraco de dois cômodos.

Postado em: 18-11-2021 às 08h10
Por: Redação
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Regiany mora com o marido e três filhos em um barraco de dois cômodos | Foto: Euripedes Mendes

Alzenar Abreu (especial para O Hoje)

Levantamento realizado pela Central Única das Favelas (Cufa – Goiás) mostra que existem no Estado 509 regiões cadastradas onde habitam populações em condições de vida abaixo da linha da pobreza. Em 2011 Goiás possuía 12 comunidades irregulares conhecidas como favelas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo, denominado Aglomerados Subnormais, feito com base nas informações do Censo Demográfico 2010, apontava ainda que desses locais, sete áreas eram em Goiânia. 

O termo ‘aglomerados subnormais’ significa, simplesmente, favelas. “Consideramos os dados em apontamento de espaços onde famílias passam necessidades e dificuldades financeiras extremas como má alimentação, condições inadequadas de moradia (sem estrutura de água ou esgoto tratado) e energia”, explica o presidente da Cufa em Goiás, Breno Rodrigues Lemos Cardoso.

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Para Breno, embora o IBGE tenha divulgado relatório que elencou, apenas, 12 aglomerados no Estado em 2011 o universo já era muito maior na época porque na descrição de condições de vida do grupo estudado tem-se uma avaliação restrita: ‘áreas com deficiências graves no abastecimento de água e energia, na destinação do lixo e estrutura de esgoto’.  “Mas o elenco de problemas para denominarmos esses aglomerados de “favelas” é muito maior. Porque na nossa visão, qualquer local onde vivem pessoas com dificuldades financeiras extremas, também precisam entrar nessa lista”, explica.

 Segundo a pesquisa do IBGE, de 2011, 2.431 famílias viviam nessas condições no Estado e delimitou-se a apontar as áreas: Emílio Póvoa, Jardim Botânico I, Jardim Botânico II, Área I do Jardim Goiás, Jardim Guanabara I, Quebra Caixote e Rocinha. Esses sete aglomerados estavam em área metropolitana.

Segundo Breno, não é preciso andar muito para localizar um ponto de vulnerabilidade. Na região Noroeste de Goiânia há pessoas vivendo em penúria no Morro do Macaco. “Na estiagem, tivemos de levar água mineral para àquela população e outras próximas. Com crianças e idosos que estavam sem água nem para beber”, conta.

Em uma prévia listagem elaborada por Breno tem-se, além do Morro do Macaco, o Morro do JK, Vila Lobó e Antônio Carlos Pires. Mas a lista é maior ao estenderem as mesmas condições para outros municípios do Estado de Goiás.

Pelo IBGE, Goiás possui, fora de Goiânia, duas regiões em Anápolis, duas em Novo Gama e uma em Valparaíso. Em Anápolis, por exemplo, estão na lista populações dos bairros Novo Paraíso I,Novo Paraíso II,Novo Gama, Vila União e Vila União II. Em Valpaíso, a Vila Guaíra também é foco de pobreza e precariedade.

 No apontamento nacional, a região Centro-Oeste é a que agrupa o menor número de favelas, com 1,8% dos 3,2 milhões de domicílios de baixa renda distribuídos pelo Brasil. Grande parte dessas habitações se concentra no Sudeste (49,8%), com destaques para os estados de São Paulo (23,2%) e Rio de Janeiro (19,1%). Em seguida aparece o Nordeste, com 28,7%. O Norte tem 14,4% dos aglomerados subnominais Sul, enquanto o Sul apareceu com 5,3%. 

Quem é a Cufa

A Cufa foi criada há 20 anos, a partir da união de jovens de várias favelas brasileiras, em busca de espaço para expressarem suas artes e encontrar caminhos para os dilemas das populações que vivem nesses espaços.

Ao longo deste tempo a Cufa estabeleceu unidades regionais nos 27 estados brasileiros e em 17 países do mundo. “Esta rede é formada em defesa da população da favela e permite que sejam desenvolvidas ações de maneira integrada, incentivando a prática de esporte, a cultura, o lazer, o empreendedorismo e a solidariedade”, explica Breno.

Com a escalada da crise econômica e do desemprego, pessoas sem instrução ou com alguma formação profissional, mas sem emprego, acabam arrastadas para esses bolsões que mais parecem campos de guerra. Onde a solidariedade dos de fora e dos que estão lá é o que garante a sobrevida dessas populações.

Mais do que dores, o medo de não sobreviver

Sou órfã de pai e de mãe”, disse, na despedida da reportagem de O Hoje a dona de casa Regiany Alves Moreira, de 35 anos, que não reteve as lágrimas na despedida da entrevista. Ele tem três filhos, um deficiente, atendido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), e outros dois de 10 e 7 anos. O companheiro, Kesley Dias Machado, de 38 anos, sofreu acidente de trânsito e ficou inválido. Na casa de dois cômodos de chão batido, os cinco vivem de forma improvisada.

Uma mureta na sala, faz a divisória com o banheiro de onde se avista o chuveiro. No mesmo cômodo (cozinha e banheiro). Uma pequena escada de alvenaria leva ao segundo cômodo. Onde todos dormem. “É o que tem para a gente viver”, diz o dono da família. “As pessoas não entendem, não podemos trabalhar. Vivemos com um salário mínimo cada e da ajuda da Cufa, com cesta [básica], e ajuda de vizinhos. Pagamos água, energia, e os remédios das crianças. Eu ainda pago pensão de dois filhos. Roupa! Não sobra para comprar. A gente ganha”, disse.

Só ali, a Cufa atende  mais de 3 mil famílias. “São pessoas que não podem trabalhar, ou porque não têm com quem deixar os filhos, ou têm parentes deficientes, idosos sem assistência”. 

Solidariedade

A representante da Cufa, Raíssa Pereira, que mora no bairro Buena Vista (saída para Guapó) diz que entre eles há muita ajuda. “Temos muitos imigrantes que chegam dos Estados do Maranhão e da Bahia. Até mesmo Venezuelanos. Com a roupa do corpo. Eles improvisam um pouso, dividem entre si as cestas de comida e até pratos e copos”, conta. “Nossa filosofia de trabalho é que essas pessoas estão ‘nessa situação por uma fase momentânea’. Porque nós trabalhamos para tirá-las dessa condição”, relata.

A Cufa não trabalhava com oferta de cestas básicas. Mas, com a pandemia, teve que atuar com essa dinâmica porque a necessidade tornou-se urgente. “Os pedidos de ajuda chegavam até nós. E eram muitos e continuam sendo”, diz Raíssa.

As crianças da casa estão sem estudar. Os pais não conseguiram matrículas porque o mais velho é assistido pela Apae, no Jardim Goiás. E não havia escola com perfil das demais da casa, nas proximidades.

A pequena Kézia Cristina, de 9 anos, filha do casal, quer ser bombeira “para salvar a vida das pessoas”. E o Moisés Gabriel, de 7 anos, quer ser policial. “Acho bonito a farda deles e os carros”, diz o garoto que não deixa de sonhar com o futuro.

A dor do frio, da fome e da falta de apoio emocional são os aguilhões que deixam família e crianças em total desprovimento. Muitos vêm da região Norte e Nordeste do Estado, em busca de oportunidades que não surgem. E, frente ao desafio, buscam seus próximos para um cobertor, um prato de comida, um colchão, mesmo que seja velho e surrado, para recostar a cabeça.

Na última onda de frio que assolou Goiás em agosto. Com temperaturas historicamente mais baixas, a Cufa realizou uma grande ação que beneficiou famílias vulneráveis da região Sul de Goiânia com a entrega de agasalhos, roupas e cestas básicas. “Tinha muita gente que não tinha cobertor suficiente para toda a família ou agasalhos que realmente aquecessem do frio”, diz Breno Cardoso.

Por meio do programa Mães da Favela, a instituição entregou milhares de cestas básicas, físicas e digitais, e chips com internet gratuita por seis meses ao longo desse período de pandemia. Até julho de 2021 a Cufa conseguiu beneficiar 860 mil pessoas moradoras das periferias em diversas regiões do Estado. “Isso mostra a força que a Cufa tem tanto para os doadores quanto para as pessoas que recebem essas doações lá na ponta. É um trabalho em conjunto e que une esforços de muitas pessoas para ser realizado”, destaca.

Raíssa da Cufa diz que a entidade sobrevive de parcerias com empresas para compra de alimentos, roupas, remédios e para ajudar na construção de moradias. “ Temos pessoal para mão de obra. Mas sem material para construção ficamos parados”, completou. (Especial para O Hoje)

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